terça-feira, 30 de novembro de 2010

Legitimidade

Outrora, num contencioso administrativo do tipo objectivista, destinado somente à defesa da legalidade e interesse público, nem a Administração, nem os particulares eram reconhecidos como sujeitos processuais. Apenas tinham o dever de colaborar com o tribunal. Aos particulares não eram reconhecidos quaisquer direitos, na medida em que o pressuposto legitimidade era aferido com base no critério do interesse pessoal, directo e legítimo e como tal só eram tidos em conta os privilégios administrativos.


Actualmente e face a um contencioso subjectivista, são reconhecidas as relações jurídicas entre Administração e particulares. Administração e particulares são partes no processo- Princípio da Igualdade Efectiva ( artigo 6, CPTA) e Tutela Plena e Efectiva dos direitos dos particulares, direito fundamental consagrado constitucionalmente ( artigo 268 nº 4, CRP).


O critério para a atribuição da legitimidade é, agora, na relação processual, em razão da alegação de direitos e deveres recíprocos, na relação jurídica material.
No que respeita à legitimidade activa (artigo 9, nº 1, CPTA), o autor é parte legítima sempre que alegue ser titular de um direito subjectivo. São também sujeitos activos os elencados no nº 2 do mesmo artigo: actor público e o actor popular, cuja actuação visa a defesa da legalidade e interesse público- vertente objectivista.


Quanto à legitimidade passiva ( artigo 10, CPTA ), o critério continua a ser o mesmo, o da relação material controvertida. São partes os indivíduos, as pessoas colectivas privadas ou públicas, desde que sujeitas às obrigações e deveres correspondentes aos direitos subjectivos alegados pelo autor.


Esta condição de procedibilidade apresenta especificidades consoante o meio processual em causa (acções administrativas comuns e especiais). A regra geral é a do artigo 9º (legitimidade activa) e artigo 10º (legitimidade passiva).


Legitimidade – Acção Especial


Nas acções que visam a impugnação de actos administrativos, são partes legítimas os que actuam na defesa de interesses próprios , ou seja, os titulares de um “interesse directo e pessoal” (artigo 55, nº 1, alínea a, CPTA); as pessoas colectivas públicas e privadas ( artigo 55, nº 1, alínea c, CPTA); sujeitos públicos (artigo 55, nº 1, alíneas b e e, CPTA) e o actor popular que actua para a defesa da legalidade e do interesse público (artigo 55, nº 2, CPTA). Quanto à legitimidade passiva é aplicável o disposto no nº2 do artigo 10, CPTA.


Sujeitos processuais são também todos aqueles que possam a vir ser prejudicados com o provimento do pedido de impugnação do acto . São parte, tal como a entidade autora da prática do acto, na medida em que o interesse coincide, por outras palavras, há uma imposição legal do litisconsórcio passivo, sempre que existam contra-interessados- Legitimidade de contra- interessados (artigo 57, CPTA).


No que respeita às acções de condenação da Administração à prática do acto administrativo devido, são partes activas: os sujeitos privados (artigo 68, nº 1, alínea a) e públicos, no âmbito das relações inter- subjectivas e inter- orgânicas (artigo 68, nº1, alínea b); Ministério Público, na defesa da legalidade e do interesse público , mas apenas em relação a actos administrativos ilegais (artigo 68, nº1, alínea c) e o actor popular, quanto a actos ilegais, tal como o Ministério Público (artigo 68, nº 1, alínea d).


Quanto à legitimidade passiva, a lei determina que sejam demandados não só a entidade competente responsável, mas também, os contra-interessados, nos termos do nº 2 do artigo 68 conjugado com o nº2 do artigo 10, ambos do CPTA.


Por último, no que concerne às acções que se destinam à impugnação de normas e declaração de ilegalidade de normas com força obrigatória geral, têm legitimidade:


• Os particulares e actor popular, desde que a norma tenha sido recusada por qualquer tribunal em três casos concretos, com fundamento em ilegalidade (artigo 73, nº 1 CPTA ), sendo esta a regra geral.


• Ministério Público, mesmo sem se verificarem os três casos de desaplicação da norma (artigo 73, nº 3, CPTA)


A par desta regra, existe uma especial. Os particulares e actor popular podem pedir a declaração de ilegalidade da norma, mas apenas com efeitos restritos ao caso concreto, nos casos em que a norma produza efeitos imediatos (não depende de acto administrativo ou judicial de aplicação), nos termos do nº 2 do artigo citado anteriormente.


Legitimidade- Acção comum


Para além das regras comuns enunciadas nos artigos 9 e 10, respectivamente, existe uma regra especial elencada no artigo 40. Desta forma, são partes legítimas:


• Pedido de validação, quer seja parcial ou total, do contrato administrativo- os contraentes, Ministério Público, actor popular e todos os particulares, cujos direitos possam vir a ser lesados em caso de violação do procedimento prévio exigido por lei (artigo 40, nº1, CPTA)


• Pedidos que respeitam à execução do contrato administrativo- os contraentes, particulares (inclusive as pessoas colectivas púbicas) cujos direitos possam ser lesados com a execução do contrato e o actor popular (artigo 40, nº 2, CPTA).



Carla Cruz
Aluna 17039

Evolução histórica dos modelos Francês e Anglo-Saxónico

Em resposta à primeira tarefa proposta

O sistema tradicional era caracterizado pela:

  • Inexistência da separação de poderes – o rei era simultaneamente administrador e juiz
  • Não subordinação da Administração Pública

Panorama que é alterado com a Grande Revolução em Inglaterra, a partir de 1688 e com a Revolução Francesa em 1789. Prevalecem então os ideais de liberdade individual. Os cidadãos passam a ser titulares de direitos subjectivos, podendo estes ser invocados perante o Estado. É implementado o Princípio de Separação de Poderes que acaba por ser subvertido, no sistema Francês e em todos aqueles que o adoptaram como matriz (nomeadamente os países da Europa Continental).

Fora conferida aos órgãos da Administração a missão de se julgarem a si próprios- se o poder executivo não podia interferir nos assuntos da competência dos tribunais,
também os juízes não poderiam conhecer de litígios contra as autoridades administrativas (1790 – 1795).
Em 1799 é criado o Conselho de Estado (órgão especial administrativo a quem competia a fiscalização da Administração) , cuja função começa por ser meramente consultiva – emissão de pareceres que careciam de homologação ( “Justiça Reservada”) e que passam a decisões definitivas, com a promulgação da lei 24 de Maio de 1872 , sinal do fim de uma Administração Actocêntrica, cuja manifestação máxima de poder era o acto administrativo.
Realidade diferente era a da Inglaterra, pois a Administração estava subordinada aos tribunais e regras de Direito Comum.

Com a passagem do Estado Liberal ao Estado Social (final do século XIX e início do século XX) os dois sistemas tendem a aproximar-se. No sistema Francês, assitir-se-á a um processo de jurisdicionalização plena e efectiva do Contencioso Administrativo. Para tal foram decisivas as reformas de :

  • 1953 – os antigos conselhos de Prefeitura (órgãos administrativos) são transformados em tribunais administrativos
  • 1980 – é consagrada a equiparação dos tribunais Comuns e Administrativos

A resolução de conflitos de interesses entre particulares e Administração passa a ser da incumbência de verdadeiros tribunais independentes e autónomos, de forma a garantir a protecção plena e efectiva dos direitos ou posições de vantagens dos sujeitos privados. A par do acto administrativo surgem outras formas de actuação da Administração- os regulamentos e contratos.

No Reino Unido, surge um novo ramo de Direito - Direito Administrativo. É criado também um tribunal específico para a resolução de litígios administrativos- “ Qeen’s Bench Division” do “High court” e a par deste, implementado um meio processual próprio “Judicial Review” , que compreendesse todos os efeitos das sentenças- Reforma de 1977.
Actualmente, ambos os sistemas de Contencioso contemplam o direito de acesso à justiça de todos os cidadãos( consagrado na Convenção Europeia dos Direitos do Homem)e o direito a um processo equitativo, em que o juiz goza de plenos poderes sobre a Administração. Como reforço das garantias administrativas, a obrigatoriedade da fundamentação das decisões administrativas, o direito à efectividade das sentenças proferidas, a possibilidade de sanções pecuniárias compulsórias em caso de omissão por parte da administração e a suceptibilidade de impugnação de actos administrativos que não sejam definitivos.



Carla Cruz

Aluna 17039

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Contencioso Administrativo na Dinamarca

Apesar de ser uma monarquia constitucional de tipo continental, não existem tribunais administrativos na Dinamarca, sendo as decisões das entidades administrativas sindicáveis nos tribunais comuns.
Apesar de terem como monarca a rainha Margarida II desde 1972, nascida em 1940, só em 1953 a lei foi alterada para permitir que uma mulher ascendesse ao trono. A única outra mulher governante, Margarida I, foi regente entre 1387 e 1412, pois a lei dinamarquesa contemporânea não lhe permitiu ter o título formal de rainha, intitulava-se “Margarida, pela graça de Deus, filha do Rei Valdemar".
Apesar de a rainha assinar a legislação aprovada pelo parlamento, apenas entra em vigor depois de referenda ministerial e publicação. Ainda hoje a constituição se refere a um rei e não a um monarca, espelhando assim que o direito de sucessão das mulheres se mantém secundarizado.
A própria expressão que designa a constituição demonstra a perspectiva deste povo. Grundloven pode ser traduzido como a lei fundamental, mas a tradução literal é a lei-base ou a lei-chão, dando uma ideia de base e de fundamento em vez de cobertura ou topo de pirâmide, sendo a constituição vista como alicerce de toda a lei.
O reino da Dinamarca é composto pela Dinamarca, pela Gronelândia e pelas Ilhas Faroe sendo que existe um sistema judicial para cada uma das nações mantendo-se um sistema de recursos para o supremo tribunal dinamarquês (Højestret).
A Constituição do Reino da Dinamarca (Danmarks Riges Grundlov) baseia-se na separação de poderes clássica. O poder legislativo é exercido pelo monarca e pelo parlamento (Folketinget), o poder judicial pelos tribunais e o poder executivo também pelo monarca, pelo governo (Regering) e pela administração pública.
A imagem da separação de poderes tradicional foi pulverizada há muito tempo uma vez que surgiram novos organismos como expressão do estado social dinamarquês paradigma mundial do estado de bem-estar e de protecção dos mais fracos da sociedade. Estes organismos não podem ser incluídos na estrutura administrativa tradicional. As Juntas, Câmaras e os Conselhos têm como características comuns serem órgãos colegiais e de serem independentes do governo, parlamento ou municípios.
A constituição dinamarquesa refere ainda a figura do provedor parlamentar (Folketingets Ombudsman) que se submete ao parlamento apesar da sua função ser mais judicial que legislativa, tendo jurisdição, no sentido etimológico da palavra, sobre toda a administração, mas não sobre os tribunais ou sobre o próprio parlamento. É um jurista eleito pelo parlamento para investigar reclamações sobre as decisões ou inacção das autoridades administrativas estatais, comunais ou outras autoridades públicas, o tratamento dos particulares e das suas reclamações. Este provedor pode criticar e fazer recomendações às autoridades para modificarem as suas decisões e comunicar ao parlamento a descoberta de deficiências na feitura de regulamentos e/ou na sua aplicação. O provedor parlamentar também pode investigar por sua iniciativa, especialmente sobre notícias dos meios de comunicação e frequentemente faz inspecções a estabelecimentos prisionais, hospitais psiquiátricos e, de modo geral, a todas as instituições onde os particulares possam estar, mais ou menos, contra a sua vontade.
Na prática o provedor denuncia ainda os atropelos à lei nos meios de comunicação, pelo que o resultado do seu trabalho de pressão junto do parlamento é multiplicado pela pressão da opinião pública por sua vez criada pelo próprio provedor.
Esta instituição foi criada em 1955, baseando-se no modelo sueco. O provedor é designado pelo parlamento após cada eleição legislativa e pode ser demitido caso perca a confiança do parlamento. O que acontece normalmente é que o provedor é reeleito se assim o desejar. Houveram apenas 4 provedores desde 1955 e o actual ocupa o cargo há mais de 20 anos. Em matéria orçamental, os gastos desta provedoria são incluídos nos do parlamento mas o provedor tem o poder de escolher o seu próprio gabinete.
Qualquer pessoa pode apresentar uma reclamação ao provedor parlamentar que decidirá se deverá ou não prosseguir uma investigação e verificar se o reclamante utilizou os meus graciosos em primeiro lugar, já que é uma limitação ao poder de reclamação junto do provedor parlamentar. A avaliação feita pelo provedor baseia-se na lei e na verificação da observância, por parte da administração, das regras de boa conduta administrativa. A avaliação considera tanto o conteúdo das decisões como o próprio procedimento seguido. O provedor tem plenos poderes para obter informação, mas os seus pareceres não são vinculativos.

Alguns destes orgãos, juntas, conselhos e câmaras, são chamados a decidir disputas entre os particulares e a administração e outros entre particulares. Alguns tomam decisões em primeira instância sob a forma de aprovação duma actividade ou produto e são denominados órgãos de aprovação. Outros funcionam como comissões executivas para unidades administrativas específicas e são denominados órgãos de administração e, finalmente, os órgãos consultivos de outras autoridades, normalmente chamados conselhos. As categorias destes organismos que recebem reclamações ou pedidos de aprovação subsumem-se à expressão inglesa “tribunal”.
Existem também organismos privados de resolução de litígios, aprovados pelas autoridades públicas e especialmente dirigidos a conflitos de consumo.
Nas últimas décadas notou-se um esforço para poupar as principais autoridades governamentais a terem que apreciar casos concretos que foram enviados para os “tribunals” ou órgãos decisórios administrativos.
Não há uma estatística global do número destes organismos administrativos, mas existem, pelo menos, 130 organismos diferentes, com carácter nacional, regional ou mesmo local. Um exemplo é a Afdækning og Hegn, que resolve disputas entre vizinhos relativas a cercas e vedações, existindo um em cada um dos 98 municípios.
Este facto deve ter sido em conta à luz da não existência de tribunais administrativos na Dinamarca. Alguns destes organismos de resolução de conflitos preenchem as funções de tribunais administrativos noutros países, mas mantêm o estatuto de autoridade administrativa embora com alguns poderes judiciais e sem as garantias de independência face ao governo de que gozam os tribunais.

É, no entanto, de notar, que as decisões destes órgãos podem ser sindicadas nos tribunais comuns de primeira instância, os chamados tribunais de cidade (Byret), existindo um para cada divisão territorial judicial (Retskreds) e ainda que o provedor parlamentar supervisiona e condiciona a actuação de toda a administração pública.
Um órgão que decida disputas entre particulares tem que ser criado por lei parlamentar, o que significa que cada órgão é criado segundo um estatuto próprio que regulará a própria tomada de decisão juntamente com os requisitos das regras administrativas tais como o princípio da legalidade e da proporcionalidade.
Ao contrário do que acontece no Reino Unido, a legislação dinamarquesa não contém regras gerais de procedimento que se apliquem a todos os órgãos administrativos. A regulamentação legal de cada um desses órgãos é preparada no ministério relevante, de acordo com diferentes tradições relativas ao estabelecimento, composição, procedimento e hierarquia administrativa, apesar de uma certa unidade legal emergir, devido ao facto da aplicação geral dos princípios administrativos e da supervisão pelos tribunais e pelo provedor parlamentar.
Um dos maiores organismos destes é a Ankestyrelsen traduzível por Junta de Recursos e que inclui os seguintes organismos:
Arbejdsmiljøklagenævnet – Conselho de Recursos sobre Saúde e Segurança no Trabalho
Ligebehandlingsnævnet – Junta da Igualdade de Tratamento.

Esta autoridade administrativa tem poderes jurisdicionais, é independente, logo sem constrangimentos por instruções ou opiniões de outras autoridades ou organismos na tomada de decisões em casos individuais. As suas principais funções são:

Decidir em última instância administrativa sobre reclamações relativas a legislação em assuntos sociais e emprego.

Salvaguardar a protecção legal dos cidadãos pela coordenação a nível nacional, assegurando que casos semelhantes são decididos de maneira semelhante, independentemente da situação geográfica do reclamante.

Comunicação de saberes (know-how) no desenvolvimento político de matérias sociais, como por exemplo análise e estatística.
Esta junta trata de casos de várias áreas de governação, tais como os assuntos sociais, o emprego, os refugiados, imigração e integração, fiscal, educação, entre outros.
Os casos apreciados podem ser divididos em dois grandes grupos. Os casos em que a junta é o órgão que conhece em primeira instância, nomeadamente casos relativos a acidentes industriais e os casos que a junta conhece em segunda instância de decisões tomadas, de acordo com a legislação laboral ou social, por juntas regionais nas diversas áreas de assistência social existentes na Dinamarca ou ainda casos em que a Junta tenha um interesse relevante, mormente em questões de princípio ou interesse público.
Além da tomada de decisão em reclamações, esta junta está encarregue de assegurar que as práticas nacionais se assemelham o mais possível, de maneira a que, onde existam condições semelhantes, as decisões e o tratamento dos cidadãos pelas autoridades locais e regionais, o sejam também.
A principal ferramenta é disseminação das decisões da Junta, que em casos de Principafgørelser ou princípio judicial são distribuídos como pareceres vinculativos para as autoridades administrativas que decidam nas esferas legais de matérias sociais e de emprego.

Estes orgãos gozam duma certa independência em relação à restante administração pública. A regra é que as suas decisões não são sindicáveis por órgão superior da administração pública a não ser que esteja expressamente previsto no regulamento de cada desses organismos, havendo, no entanto, grande número de disposições estatutárias, que, em relação a um órgão específico, estipulam que se pode recorrer das decisões para outro órgão administrativo.

Em conclusão, pode-se afirmar que os cidadãos dinamarqueses podem recorrer de decisões de órgãos administrativos para os órgãos de recurso e deles para os tribunais comuns.
Das decisões dos órgãos administrativos de recurso pode-se recorrer ao provedor parlamentar ou para os tribunais. No caso do cidadão recorrer aos tribunais não poderá já reclamar junto do provedor parlamentar. Se reclamar junto do provedor parlamentar, poderá sempre recorrer da decisão original para os tribunais, mas não da decisão do provedor.
O número destes “tribunals” está em constante crescimento e as suas competências em permanente expansão e a impressão pública é a de que estes órgãos preenchem o papel dos tribunais administrativos continentais o que torna algo confusa a decisão que os cidadãos e os seus representantes têm que tomar para reivindicar as suas pretensões e para terem uma visão global das suas possibilidades de reclamação.
Luís Filipe Rodrigues
Aluno 17633

domingo, 28 de novembro de 2010

Legitimidade...
Passado e Presente



1- O modelo processual de justiça administrativa que tivemos em Portugal, foi concebido com base do modelo francês, um modelo objectivista, cujo contencioso-regra era o recurso de anulação de actos administrativos, um modelo que se pautava por uma concepção actocêntrica do Direito Administrativo e que vigorou até à reforma de 2002.
Ao particular, face aos privilégios autoritários da Administração que este modelo de contencioso protegia, restava esperar, provocar, e em caso de silêncio da Administração, ficcionar um acto administrativo (tácito/silente) para, só então, poder recorrer (necessidade de decisão administrativa prévia). Esta modelo não reconhecia a titularidade de direitos subjectivos aos particulares, no relacionamento que estes tinham com a Administração. Era-lhes imposto um desrazoável e excessivo formalismo de recorribilidade, tal como a identificação do acto recorrível, a sua qualidade de acto “definitivo” e “executório e uma ordem de conhecimento dos vícios que o afectavam.
O recurso de anulação era tido como uma auto-verificação da legalidade do acto, a legitimidade activa não dependia da afirmação de um direito subjectivo lesado por uma actuação administrativa ilegal, mas sim da mera existência de um interesse de facto do particular, o direito à legalidade. Este era um contencioso de mera legalidade, em que ao tribunal apenas competia declarar a validade ou invalidade do acto recorrido, e caso o tribunal concluí-se pela sua desconformidade com a lei, devia limitar-se a declarar essa ilegalidade e consequentemente anulá-lo sem que dessa anulação retirasse imediatamente efeitos, pois essa tarefa cabia em primeira linha à Administração.
No entanto, apesar do processo negar ao particular uma protecção jurisdicional efectiva (substancial e procedimental), não deixa de ser irónico que a legitimidade activa fosse determinada em razão do interesse do particular na obtenção da declaração de ilegalidade do acto, (“A jurisprudência administrativa delimita o interesse em agir no contexto dos mesmos parâmetros de necessidade de tutela de um direito que merece protecção e que justifica a emissão de sentença judicial.” – Acórdão do STA de 28/01/2009, Proc. n.º04772/09). Verificamos que os requisitos que a jurisprudência e a doutrina exigiam na determinação do interesse em agir, o interesse directo, pessoal e legitimo, – e que se diz directo “quando o beneficio resultante da anulação do acto recorrido tiver repercussão imediata no interessado”, se diz pessoal “quando a repercussão da anulação do acto recorrido se projectar na esfera jurídica do interessado”, se diz legítimo “quando é protegido pela ordem jurídica como interesse do recorrente”, (Prof. Freitas do Amaral, in “Direito Administrativo”, vol. IV), apontavam claramente para a relação material.

Em matéria de legitimidade activa a reforma de 2002, veio consagrar o mesmo principio geral do processo civil, determinando que a legitimidade decorre da alegação da posição de parte na relação material controvertida (art.º 9.º, n.º1 do CPTA). Agora os “participantes no processo” são tidos como sujeitos efectivos da relação material. O particular tem ao seu dispor acções e não o recurso que caracterizava o modelo anterior. O autor é parte legitima sempre que alegue ser parte na relação material controvertida, o que significa que tem legitimidade em razão dos direitos subjectivos, ou da posição substantiva de vantagem que alegue ser titular na relação jurídica administrativa.
Temos agora um contencioso predominantemente subjectivista, de plena jurisdição (o modelo objectivista continua consagrado através da acção popular e da acção pública) concebido como processo de partes, que atende ao principio constitucional da tutela jurisdicional efectiva dos direitos dos particulares (268.º, n.º4, da CRP), que confere ao particular o estatuto de parte ou seja reconhece-lhe a qualidade de sujeito de direito nas relações administrativas .

2 - O facto de no antigo contencioso apenas se reconhecerem ao particular simples interesses nas relações administrativas (que seriam próximos ou opostos aos da administração) conduziu à teorização substantiva destes interesses, teorização esta que veio dar corpo às noções de interesse legítimo e interesse difuso.
Surge assim uma classificação de direitos em categorias como se estes tivessem uma natureza diferente quando na realidade apenas se distinguem pelo seu conteúdo.
Certo é que apesar das diferentes categorias (direitos subjectivos, interesses legítimos e interesses difusos) todos eles atribuem aos particulares posições substantivas de vantagem destinadas à satisfação de interesses individuais. Em termos práticos em nada esta classificação altera a posição substantiva do particular, pelo que adoptar uma teoria unificada de direitos públicos traria a vantagem de se abandonar uma construção tripartida que teve origem no modelo objectivista e visava conformar os direitos dos particulares a um contencioso feito à medida dos poderes autoritários da Administração. Na verdade, tal como se encontra na ordem jurídica, ela não deixa de ser entendida como uma classificação de direitos em categorias, e consequentemente, até de forma inconsciente, ou não, a inevitável secundarização “dos de categoria inferior”.

José Martins
Aluno n.º17629

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Simulação de Julgamento

FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
SIMULAÇÃO DE JULGAMENTO


O Governo português celebrou um contato destinado a fornecer veículos blindados às forças policiais (vulgarmente designados como “A Tempo e Horas”, pela sua capacidade em reagir prontamente a todas as eventualidades), estabelecendo como data limite da sua entrega o dia 15 de Novembro de 2010, pois estes se destinavam a garantir a segurança interna para a cimeira da NATO, que reuniu em Lisboa, nos dias 19 e 20 de Dezembro. Os veículos blindados “A Tempo e Horas”, contudo, só chegaram a Portugal no dia 22 de Novembro de 2010, depois de ocorrida a referida cimeira da NATO.
Perante as notícias do “escândalo” nos meios de comunicação social, Francisco Esperto, residente em Lisboa, pretende obter do tribunal administrativo a anulação do referido contrato, alegando a falta de utilidade da compra em questão, por a cimeira já ter entretanto ocorrido. Também a empresa “Somos de Inteira Confiança” pretende reagir judicialmente, alegando que teria sido capaz de produzir atempadamente os veículos blindados e a melhor preço, caso o Governo não tivesse optado pelo recurso ao ajuste directo a uma outra empresa, em razão do carácter urgente da encomenda.

Quid iuris?

(N.B. Trata-se de uma hipótese meramente académica pelo que qualquer semelhança com factos e personagens da vida real é pura coincidência O presente texto constitui apenas uma hipótese de trabalho, destinado a delimitar as questões jurídicas objecto da simulação, podendo (devendo) os pormenores concretos do caso ser completados ou reconstruídos, na simulação de julgamento a realizar em cada uma das turmas).

Vasco Pereira da Silva

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Sob o Domínio da Legitimidade

A legitimidade não é um termo que nos seja estranho, já ouvimos falar dele em Processo Civil, e agora é-nos abordado em Contencioso Administrativo, nos artigos 9º e 10º do CPTA. Também aqui, a legitimidade (tal como em Processo Civil) é estabelecida em função da relação material controvertida.

Contudo, a questão de legitimidade, não é, desde os seus primórdios, como se afigura hoje. Foi alvo de várias modificações ou Reformas, tal como outras matérias abordadas nesta disciplina.

Assim, tudo começou com o modelo francês, onde se demonstrava uma lógica clássica, segundo a qual o Contencioso Administrativo era do tipo objectivo, ou seja, era um “processo ao acto”, consistia na mera verificação da legalidade da actuação administrativa, como refere o nosso Regente, o Professor Doutor Vasco Pereira da Silva, na sua obra “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”. Todo o processo primava pelo acto administrativo. Significava isto que o particular nunca participava no processo para defender o seu próprio interesse. A sua presença era sempre suscitada a propósito de colaborar com o Tribunal na defesa da legalidade e do interesse público. Aliás, o mesmo se verificava em relação à Administração, que estava presente como “autoridade recorrida”, auxiliando esta também, o Tribunal. Tudo isto, no fundo, resultava da “promiscuidade entre a Administração e a Justiça”, pois tanto o tribunal como a Administração prosseguiam o mesmo fim, integrando-se ambos no poder do Estado. “O interesse da Administração é o mesmo que o tribunal, está interessado no cumprimento preciso, inteligente, adequado, oportuno da lei”, in “Princípios Fundamentais do Direito Administrativo”, de Marcelo Caetano.

Esta promiscuidade de que padecia esta relação foi afastada pela nossa Constituição de 1976 e mais preponderantemente, pela Reforma de 1984/1985. Através da jurisdicionalização do Contencioso Administrativo, obteve-se uma lógica subjectivista, segundo a qual o Particular e a Administração são partes no processo, ambos defendem as suas posições individualmente consideradas perante um juiz, que é terceiro nessa relação jurídica administrativa. Além disso, é ainda de considerar que se consagra, neste crescimento do Contencioso Administrativo, uma igualdade entre a Administração e o Particular (artigo 6º CPTA). A relação entre estes dois protagonistas não é mais uma relação de poder, por isso exista uma igualdade efectiva destes, na participação processual. Consagra-se enfim, uma ideia de processo administrativo de partes.

É precisamente esta ideia que está subjacente às regras gerais da legitimidade (artigos 9º e seguintes do CPTA). De referir que a opção de, na Parte Geral do Código, criar um regime geral no que concerne à legitimidade, é ela também, uma opção inovadora.

Estamos em condições de referir então, que a legitimidade é o pressuposto processual pelo qual a lei selecciona os sujeitos de cada lide judicial, e devendo ser aferido nos termos em que o autor delineou o respectivo interesse directo e pessoal em impugnar o acto, a sua ocorrência é independente da existência real dos factos constitutivos do interesse processual.

Destarte, o artigo 9º/nº1, refere-se à matéria de legitimidade activa, contudo esta não é estabelecida apenas neste preceito, sendo também abordada nos artigos 40º, quanto à legitimidade em acções relativas a contratos, e nos artigos 55º, 57º, 68º e 73º, no que concerne aos objectivos pretendidos pela acção administrativa especial.

Desta feita, quanto à legitimidade activa, a lei atribui-a, em regra, àquele que alegue ser uma parte numa relação material controvertida, (artigo 9º CPTA), ou seja, basta a alegação da titularidade do direito, uma vez que saber se ele é ou não titular do direito é algo que se vai saber já no próprio processo.

Já a legitimidade passiva, esta irá ser aferida em função de contra quem deverá ser proposta a acção, (art.10º CPTA). Logo, podemos dizer que será o autor, em função do seu pedido, que conformará a relação jurisdicional administrativa.

Tem que haver assim, uma ligação entre a relação material/ substantiva e a relação processual/adjectiva.

Portanto, no que respeita à legitimidade activa, devemos analisar o artigo 55º do CPTA, que aborda este pressuposto relativamente à acção administrativa especial. Assim, prevê este preceito, que tem legitimidade para impugnar um acto administrativo quem alegue ser titular de um interesse directo e pessoal (nomeadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos); O Ministério Público; As pessoas colectivas públicas e privadas, quanto aos direitos e interesses que lhes cumpra defender; Os órgãos administrativos, relativamente a actos praticados por outros órgãos da mesma pessoa colectiva; Presidentes de órgãos colegiais, em relação a actos praticados pelo respectivo órgão, bem como outras autoridades, em defesa da legalidade administrativa, nos casos previstos na lei e as pessoas e entidades mencionadas no artigo 9º/nº2. É curioso, que no fundo este preceito acaba por legitimar oito categorias diferentes de pessoas e entidades, a impugnar actos administrativos, solicitando a sua nulidade ou anulabilidade conforme os casos.

Nesta disposição em análise cabe uma questão de veras importante: O que poderá ser um interesse directo e pessoal?

Ora, o recorrente, tem que demonstrar que tem um interesse na anulação ou declaração de nulidade do acto, isto é, tem que evidenciar que da procedência do seu pedido resulta uma utilidade ou vantagem. Tem então de ser um interesse directo e pessoal.

Será um interesse directo, quando o interesse seja actual e não meramente eventual, porque a anulação do acto em causa deve ter como fundamento a satisfação imediata do reclamante e não uma satisfação longínqua.

Entende-se por pessoal, o interesse que não se confunda com o interesse inerente a uma acção popular, deve ser uma situação do particular e apenas dele, em face do acto que este is na esfera jurídica do autor, de modo que a anulação ou a declaração de nulidade desse acto

Contudo este entendimento não é pacífico, ficando a Doutrina dividida neste ponto.

Para o Professor Vieira de Andrade, a “acção particular” prevista no art. 55º/ nº1 al. a), pode ser intentada por quem alegue ser titular de um potencial benefício, isto é, quem retirar imediatamente da anulação ou declaração de nulidade um qualquer benefício específico para a sua esfera jurídica.

Devido á última Reforma do Contencioso Administrativo, deixou de se exigir que o interesse seja “legítimo”. Tal mudança teve como principal objectivo acentuar a ideia de que basta um interesse de facto para que o particular possa intentar a acção pretendida e, não se exigindo sequer a titularidade por aquele, de um interesse legalmente protegido. Para o autor, é titular de um interesse directo quem retire de forma imediata um qualquer benefício da acção, e detém um interesse pessoal, quem retire esse benefício para a sua esfera jurídica mesmo que não invoque a titularidade de uma posição jurídica subjectiva lesada.

Neste mesmo sentido, também o Professor Mário Aroso de Almeida afirma que a “legitimidade individual para impugnar actos administrativos não tem de basear-se na ofensa de um direito ou interesse legalmente protegido, mas basta a circunstância de o acto estar a provocar, no momento em que é impugnado, consequências desfavoráveis na esfera jurídica do autor, de modo que a anulação ou a declaração de nulidade desse acto traz-lhe, pessoalmente, uma vantagem imediata”.

Em sentido diverso, o nosso Professor, Vasco Pereira da Silva, que refere que o que está em causa neste artigo, é o exercício do direito de acção por privados que, defendem os seus interesses próprios, mediante a alegação de uma “titularidade de posições subjectivas de vantagem”, em face da Administração Pública.

Assim, o interesse “pessoal e directo” corresponde ao direito subjectivo em sentido amplo, rejeitando o Professor, a distinção tradicional tripartida que separa direitos subjectivos em sentido restrito, interesses legítimos e interesses difusos, ou os denominados direitos de 1ª, 2ª e 3ªcategoria.

Quando a norma do art. 55º CPTA refere “interesses directos e pessoais” tal significa que gozam da acção para a defesa de interesses próprios todos os indivíduos que demonstrem ser titulares de uma posição jurídica de vantagem, ou sejam parte na relação material controvertida. Isto será assim, porque o carácter pessoal e legítimo do interesse é uma mera decorrência lógica do direito subjectivo que o particular faz valer no processo.

O interesse é pessoal, porque o particular alega ser titular de um direito que se encontra na sua esfera jurídica e que foi lesado por uma conduta ilegal da Administração, e é legítimo porque esse direito lhe foi conferido pela lei, através de uma norma atributiva de um direito, ou através de uma imposição, em seu benefício, de um dever à Administração.

Estas duas posições doutrinárias, levam a uma resolução distinta:

De um lado, a posição defendida pelos Professores Vieira de Andrade e Mário Aroso de Almeida traduz uma concepção mais ampla de legitimidade activa processual, sendo notada pelo interesse directo e pessoal dos particulares, podendo consistir num direito subjectivo, num interesse legalmente protegido ou numa potencial vantagem aquando da procedência da acção. Esta tese, possibilitaria em princípio, uma maior protecção dos particulares contra a actividade administrativa, contudo também poderia por em causa o próprio fim da “acção popular”, ou seja, transformaria o contencioso dos particulares numa gigantesca “acção popular”.

Por outro lado, a posição defendida pelo Professor Vasco Pereira da Silva, leva-nos a uma legitimidade processual mais restrita, limitada, pois apenas a possuem aqueles que sejam titulares de posições subjectivas de vantagem em face da Administração, ou que sejam partes na relação material controvertida.

No que respeita ao nº2 do artigo 9º do CPTA, este faz uma extensão da legitimidade processual. Extensão esta, que é feita para quem não alegue ser parte numa relação material que se proponha submeter à apreciação do tribunal administrativo. Este preceito reconhece desta forma, ao Ministério Público, às autarquias locais, às associações e fundações defensoras dos interesses em causa e, em geral, a qualquer pessoa singular, enquanto membro da comunidade, para defesa dos valores que enuncia. Mas tal extensão só é possível “nos termos da lei”, ou seja, esta extensão importa uma remissão para outra lei, que é a Lei 83/95 de 31 de Agosto).

Esta lei, vem aumentar o critério da legitimidade (seus artigos 2º e 3º) e estabelecer todo um conjunto de normais relativamente ao procedimento (artigo 13º do referido diploma). Esta extensão reconhecida no art.9º/nº2 e posteriormente na Lei 83/95, reconhece o direito de lançar mão de todo e qualquer meio processual, existente no Contencioso Administrativo, para defesa dos valores enunciados por cada uma daquelas entidades. Deduz-se assim que os poderes de propositura e intervenção processual da referida norma, têm que ser exercidos observando as regras especiais de tramitação resultantes da lei mencionada anteriormente, para além das suas próprias regras, pois a relação entre o art. 9º/nº2 e a lei 83/95, representa o facto de no artigo 9º se dar ao interessado o fundamento para a acção, enquanto a lei mencionada estabelece as regras especiais a aplicar na tramitação de qualquer um daqueles processos.

A legitimidade activa não se compadece apenas com o art. 9º CPTA, mas também pelo art. 40º do mesmo Código. Esta norma é em tudo especial, pois acaba por afastar o conteúdo regra do artigo 9º/nº1. Também aqui é de se verificar que presenciamos uma extensão da legitimidade processual, contudo, esta relativamente a contratos, que para além dos contraentes (das partes na relação contratual) engloba agora também, após a Reforma do Contencioso Administrativo, as partes que não aleguem ser partes na relação material que se propõe submeter aos Tribunais Administrativos. Ainda antes da Reforma, o Contencioso Administrativo apenas permitia que tais acções fossem propostas pelas partes que contratavam. No entanto, tal solução acarretava vários inconvenientes, pois excluía a possibilidade de “terceiros” à relação contratual, ou seja, os interessados sem legitimidade porem em causa os contratos celebrados. Desta forma, este artigo configurou-se como uma solução para este problema, procedendo a um aumento da legitimidade, alargando a mesma no que toca a acções de invalidade e execução de contratos (art. 40º/ nº1 e nº2).

Em suma, este pressuposto processual assegura que, nesta disciplina de Contencioso Administrativo, haja uma tutela efectiva, a quem quer que se lhe dirija, pois não apenas os indivíduos em defesa dos seus direitos e interesses, mas também outros sujeitos que de alguma forma se vêm afectados pela prática ou não de um acto administrativo, estão legitimados a agir.

Pretendeu demonstrar-se sucintamente, como estamos perante um processo de partes, de um lado o Particular, de outro a Administração, ambos perante um terceiro, o Juiz.

Bibliografia:

ALMEIDA, Mário Aroso de,” O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, Lisboa: Almedina, 2007.

ANDRADE, José Carlos Vieira de, “A Justiça Administrativa”, Lisboa: Almedina, 2009.

CAETANO, Marcello, “Princípios Fundamentais do Direito Administrativo”, Lisboa: Almedina, 2003.

SILVA, Vasco Pereira da, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, Lisboa: Almedina, 2009.

A aluna,

Selénia Rosa, nº 15669.

Acção popular pede anulação da cedência do estádio do marítimo

Acção popular pede anulação da cedência de estádio ao Marítimo(por Tolentino de Nóbrega)
No documento é pedida a nulidade da decisão do governo madeirense, que aprovou a cessão "gratuita e definitiva" da estrutura ao clube

A acção administrativa, que deu entrada anteontem no Tribunal Administrativo do Funchal, alega que a natureza e fins do Estádio dos Barreiros impedem a sua alienação pela Região Autónoma. Sustenta também que a operada transmissão, para além de "inexequível, não salvaguarda na íntegra os fins de interesse público, nomeadamente, a prossecução dos fins de interesse público desportivo a que Região se encontra adstrita". A não afectação do novo Estádio dos Barreiros a fins de carácter exclusivamente desportivos viola uma condição constante do contrato de doação outorgado em 24 de Fevereiro de 1939, entre sócios do Clube Desportivo Nacional, construtor e proprietário do antigo campo, e a Junta Geral do Distrito, lembra a acção popular. Esta cedência gratuita, acrescenta, ficou subordinada às condições constantes da escritura de doação (ver PÚBLICO de 6/2/2008), que também estipula a reversão dos prédios a favor dos doadores ou de seus herdeiros para a hipótese de a Junta Geral, entretanto substituída pelo Governo Regional, deixar de cumprir o objectivo da doação. Após a cedência, a Junta procedeu à expropriação de parcelas de terreno adjacentes para permitir a criação de novos acessos viários e a afectação de um novo estádio a outros desportos, que viria a ser inaugurado a 5 de Maio de 1957. Nas últimas cinco décadas o estádio tem sido utilizado não só pelos clubes madeirenses para competições regionais e nacionais, mas também pelas escolas públicas e privadas para as suas actividades curriculares e extracurriculares, e ainda para acções de carácter cultural e religioso. Há três anos, o governo, através da Resolução n.º 1175, "resolveu efectuar a transferência gratuita e a título definitivo do Estádio dos Barreiros e terrenos anexos ao Marítimo da Madeira Futebol, SAD". Mas logo depois corrigiu a ilegalidade, ao substituir a SAD pelo clube de futebol como cessionário do estádio. Imóvel de domínio públicoAo alegarem que a estrutura, pela sua função e natureza, não pode ser objecto de um acto de alienação ou disposição, os promotores da acção popular concluem que, atendendo à "utilidade pública do bem imóvel, a operada transmissão reveste natureza ilegal". O imóvel "encontra-se sujeito a um regime jurídico especial, caracterizado pela sua "incomerciabilidade"" e a afectação do estádio à utilidade pública, bem como à satisfação de relevantes interesses colectivos, "confere-lhe natureza de bem imóvel integrado no domínio público". Por outro lado, a mudança de titularidade inibe a Região de "prosseguir e de fazer cumprir as atribuições que lhe são impostas no Estatuto Político-Administrativo", acrescenta o documento. Encontrando-se sujeito ao princípio da inalienabilidade, o estádio, propriedade da Região, "não pode ser objecto de qualquer acto de transmissão", que "sobrevaloriza a perspectiva económica e de gestão financeira em detrimento da prossecução do interesse público e da salvaguarda dos interesses dos cidadãos". Assim, o acto de cessão ao Marítimo, a título definitivo, deverá ser considerado nulo por impossibilidade legal do objecto, conclui a acção popular, que põe ainda em causa a excessiva volumetria do projecto, a sua desconformidade com o PDM, bem como a integração paisagística.

Legitimidade e interesse processual

O pressuposto da legitimidade não se confunde com o do interesse processual ou interesse em agir. Pode não haver dúvida quanto à questão de saber se quem está em juízo é parte na relação material, tal como o autor a configurou, e no entanto poder questionar-se a existência de uma necessidade efectiva de tutela judiciária e, de factos objectivos que tornem necessário o recurso à via judicial. EX: abertura de um procedimento disciplinar, embora o arguido seja interessado, e por isso tenha legitimidade para figurar como parte no procedimento, a verdade é que em princípio, ele não tem interesse processual em impugnar o acto, na medida em que se trata de um acto contra o qual ele ainda não tem necessidade de tutela que justifique o recurso à via judicial. Tradicionalmente, o requisito do interesse processual, no contencioso administrativo, sempre revelou dificuldades quer na impugnação de actos administrativos para o efeito de se aferir da actualidade do interesse dos recorrentes particulares, em termos de saber se os recursos contenciosos eram interpostos contra actos administrativos eficazes, que lhes infligissem lesões efectivas, que não apenas potenciais ou hipotéticas, e uma vez esgotadas as eventuais vias de impugnação administrativa necessária, sobre os termos em que a questão se passa a colocar nestes diferentes domínios.

Com a reforma do contencioso administrativo, o interesse processual ganha mais relevância. Desde logo, pelo facto de o novo sistema colocar à disposição dos eventuais interessados um conjunto de novas vias de acesso à justiça administrativa que não têm carácter impugnatório e portanto, não desempenham função reactiva. Por outro lado, a partir do momento em que passam a existir os meios processuais adequados à obtenção de certos resultados, deixa de haver interesse processual na utilização de outros meios que, do ponto de vista da efectividade da tutela e da economia processual, não se apresentem tão adequados.

O CPTA não consagra em termos gerais, o interesse em agir como um pressuposto processual, mas contém uma referência expressa a este requisito no art. 39º, a propósito das acções meramente declarativas ou de simples apreciação, que visam acorrer a lesões efectivas, resultantes da existência de situações graves de incerteza objectiva, ou a ameaças de lesão, resultantes do fundado receio da verificação de condutas lesivas num futuro próximo, determinadas por uma incorrecta avaliação da situação existente.

O CPC alemão estende este regime igualmente às acções de condenação à prática ou abstenção de condutas de futuro. Embora a letra do artigo não as contemple, AROSO DE ALMEIDA considera que também quanto a estas, nomeadamente aquelas em que esteja em causa a condenação da Administração à não emissão de actos administrativos (art. 37º/2 c), deve aplicar-se o regime do art. 39º.

Por outro lado, no art. 55º/1 a), embora misturada com a questão da legitimidade, surge uma manifestação do mesmo requisito na exigência de um carácter “directo” ao interesse individual para impugnar actos administrativos. Quando se exige que o interesse do impugnante seja directo, no sentido construído neste domínio, em que ele deve ser actual, está a fazer-se apelo à ideia de que o impugnante deve estar constituído numa situação de efectiva necessidade de tutela judiciária. Neste art. 55º/1 a) faz-se apelo a duas ideias diferentes: possui legitimidade quem alegue ser titular do direito ou interesse e o seu interesse processual radica na alegação de ter sido lesado nesse seu direito ou interesse, circunstância da qual advém o interesse directo (interesse processual) em demandar.

Coloca-se a questão de saber se as consequências que o acto sob impugnação alegadamente projecta sobre o impugnante são de molde a justificar que ele lance mão da via judicial. O CPTA não erige a eficácia dos actos administrativos como conditio sine qua non para que eles possam ser impugnados, admitindo, no art. 54º, que mesmo em relação a actos administrativos ineficazes se possam constituir situações de interesse em agir que justifiquem a impugnação. O art. 54º é um artigo sobre o interesse processual em demandar – neste caso, actos administrativos ineficazes. Tal como o art. 39º, também o art. 54º tem em vista situações em que o problema da existência de um interesse em agir se coloca com acuidade, na medida em que se pode dizer que há uma presunção de que não existe interesse directo, actual, em impugnar actos administrativos que ainda não produzem efeitos na ordem jurídica porque ainda não lesaram ninguém. No art. 54º visam-se:

· Situações de lesão efectiva, resultantes de condutas ilegítimas, destituídas de fundamento jurídico – no art. 39º, as situações de incerteza, porventura decorrentes de afirmações ilegítimas da Administração; no art. 54º/1 a), as situações de execução legítima de acto ineficaz

· Situações de ameaça de lesão, resultantes do fundado receio da verificação, num futuro próximo, de circunstâncias lesivas – no art. 39º, o receio da adopção de condutas lesivas sem que tenha sido praticado um acto administrativo; no art. 54º/1 b), o receio das consequências lesivas futuras que resultarão da produção de efeitos e eventual execução do acto (ainda) ineficaz

Coloca-se agora a questão de saber se o autor que impugna um acto administrativo procedeu à prévia impugnação desse acto perante o órgão administrativo competente, nos casos em que a lei especial faça depender o recurso à via judicial da prévia utilização de mecanismos de impugnação administrativa. O CPTA não exige ,em termos gerais, que os actos administrativos tenham sido objecto de prévia impugnação administrativa para que possam ser objecto de impugnação contenciosa. Das soluções dos arts. 51º e 59º/4 decorre a regra de que a utilização de vias de impugnação administrativa não é necessária para aceder à via contenciosa. Portanto, não é necessário, para haver interesse processual no recurso à impugnação perante os tribunais administrativos, que o autor demonstre ter tentado infrutiferamente obter a remoção do acto que considera ilegal por via extrajudicial. O CPTA não tem ,no entanto, o alcance de revogar as múltiplas determinações legais avulsas que instituem impugnações administrativas necessárias, disposições que só desapareceriam mediante indicação legal expressa. Na ausência de determinação legal expressa em sentido contrário, todos os actos administrativos com eficácia externa podem ser, desde logo, objecto de impugnação contenciosa. As decisões administrativas continuam a estar sujeitas a impugnação administrativa necessária nos casos em que isso esteja expressamente estabelecido na lei, em resultado de uma opção consciente e deliberada do legislador. Nesses casos, a lei faz depender o reconhecimento de interesse processual ao autor (o reconhecimento da sua necessidade de tutela judiciária) da utilização das vias legalmente estabelecidas para tentar obter a resolução do litígio por via extrajudicial. Ora, se um interessado impugnar um acto administrativo perante os tribunais sem ter feito uso da impugnação administrativa necessária que ao caso a lei expressamente fazia corresponder, a sua pretensão deve ser rejeitada porque a lei não lhe reconhece o interesse processual que se deveria sustentar na demonstração de ter tentado infrutiferamente obter o resultado pretendido pela via extrajudicial legalmente estabelecida.

Dário dos Anjos, 17253

ST1



domingo, 21 de novembro de 2010

O conto da legitimidade

Os pressupostos processuais são os elementos que se têm que verificar para que a relação processual seja validamente constituída.

O pressuposto processual da legitimidade traduz-se, actualmente, na ligação entre a relação jurídica substantiva e a relação jurídica processual, permitindo, desta forma, que se encontrem em juízo os titulares da relação material controvertida, para que as decisões tomadas pelo tribunal tenham um sentido útil.

Inicialmente, segundo a teoria clássica francesa, o processo administrativo era essencialmente um processo que girava em torno do acto administrativo, no qual nem os particulares nem a administração eram consideradas partes da relação processual e apenas se encontravam em juízo para colaborar com o tribunal na defesa da legalidade das decisões e do interesse público.

Assim sendo, o particular não podia fazer valer direitos subjectivos perante a administração pública o que, por sua vez, se traduzia na insusceptibilidade de ser considerado como parte no processo. Era encarado, no entender de ERICHSEN-MARTENS, como um mero “objecto do poder soberano”, que não se encontrava no litígio para proteger os seus próprios direitos mas apenas com o intuito de ajudar a defender a legalidade e o interesse publico, de forma gratuita.

Por sua vez, a doutrina tradicional também negava o estatuto de parte a administração, que ocupava no processo a posição de autoridade recorrida, e era movida pelos mesmos fundamentos que o particular, isto é, ajudar a defender a legalidade e o interesse público no processo.

O ponto de viragem deu-se com a Constituição de 1976 que impôs o “tratamento do individuo como sujeito nas relações administrativas (…) e a sua consideração como parte no contencioso administrativo” e pela reforma de 1984 e 1985 que também muito contribuiu para que o contencioso administrativo passa-se a ser um processo de partes.

A Constituição de 1976 passou a integrar o contencioso administrativo no poder judicial, eliminando-se, desta forma, a promiscuidade existente entre a administração e a justiça, que vinha justificando a negação da qualidade de partes as autoridades administrativas.

Num processo administrativo completamente jurisdicionalizado e de natureza subjectiva, a administração e o particular são partes que, perante o juiz, defendem as suas posições, alegando a lesão de um direito e, subsequentemente, a defesa da legalidade e do interesse público.

O actual Código de Processo Administrativo (doravante designado CPTA) afastou o modelo objectivista do processo acto, estabelecendo uma efectiva igualdade entre as partes no processo, no exercício de faculdades e no uso de meios de defesa, como no plano de aplicação de cominações ou de sanções processuais (cfr. Artigo 6.º do CPTA).

O artigo 9.º, nº1 parte final do CPTA, referente a legitimidade activa, dispõe que é considerada como parte legítima aquele que alegue ser parte da relação material controvertida. Isto é, aquele que alegue que a titularidade de direitos subjectivos ou de relações substantivas de vantagem no âmbito da relação jurídica administrativa. Na prática, basta-lhe a alegação plausível da titularidade da posição jurídica subjectiva, uma vez que, saber se é ou não, de facto, titular do direito, é a questão de fundo do processo.

Em relação à legitimidade passiva, rege o artigo 10.º do CPTA. Aqui, releva também o critério da relação material controvertida e consideram-se como partes legitímas as entidades públicas, os indivíduos ou as pessoas colectivas privadas sujeitos aos deveres e às obrigações equivalentes aos direitos subjectivos alegados pelo autor.

Para eliminar por completo a ideia de que a administração figura no contencioso administrativos como parte recorrida, o artigo 10.º do CPTA acrescenta que, nas acções relativas a actos administrativos ou a omissões administrativas, a parte passiva é a pessoa colectiva de direito público ou, tratando-se do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico que se pretende impugnar, ou sobre os órgãos sobre os quais recaia o dever de praticar o acto jurídico ou de observar os comportamentos requeridos – isto é, deve separar-se o ministério como sendo o verdadeiro titular da legitimidade passiva na relação material controvertida, independentemente de estar em causa uma actuação por parte dos órgãos dele directamente anexos ou não (cfr. Artigo 10.º, nº2 do CPTA).

Finalmente, cabe referir que o legislador, ciente da necessidade de fazer dos intervenientes das relações multilaterais também sujeitos no contencioso administrativo, abriu o processo aos mesmos, permitindo-se desta forma que intervenham para a protecção conjunta dos respectivos direitos - cfr. Artigo 12.º (coligação), artigo 48.º (processos em massa) e artigo 57.º (contra-interessados).



Roxana Pontes, 16851

sábado, 20 de novembro de 2010

É possível um modelo puro?



Para responder à questão é necessária uma análise comparativa dos modelos francês e anglo-saxónico e é importante marcar a diferença do ponto de partida de cada um dos modelos. Assim, enquanto o modelo francês nasce de um modelo objectivista onde o interesse público e a defesa da legalidade de actuação da Administração eram o seu desiderato, no modelo anglo-saxónico a trave mestra do modelo era assente no subjectivismo e na tutela dos direitos e das posições jurídicas dos administrados.

Os dois modelos no seu estado mais puro permite analisar o Contencioso Administrativo actual no sentido de tirar uma conclusão se é importante o ponto de partida do modelo e se o resultado final dos diferentes modelos é assim tão diferente…

O modelo objectivista tendo como paradigma o controlo de legalidade permite uma maior flexibilização na legitimidade activa enquanto presusposto processual, na medida em que assenta fundamentalmente em recursos de anulação de actos da administração  consubstanciados no controlo de legalidade do exercício autoritário de poderes administrativos. No modelo objectivista os particulares assumem uma posição de auxiliares do controlo da legalidade da actuação administrativa.

O modelo subjectivista tem como escopo a protecção de direitos subjectivos é garantido através de um processo de partes propugnando por uma maior igualdade das partes em processo. O ponto de partida do modelo subjectivista é a violação de um direito subjectivo por uma actuação da Administração e o objectivo final será a reparação da violação do direito subjectivo do particular.

Avançados nesta análise coloca-se indelevelmente a questão:

Será possível a adopção de um modelo objectivista ou subjectivista puro?

Dividindo a questão material em dois prismas podemos ter:
Pode o modelo objectivista garantir também os direitos subjectivos dos particulares?
Pode o modelo subjectivista garantir também o interesse público e o controlo de legalidade da actuação da Administração?

A resposta às perguntas anteriores pode passar por uma breve análise da evolução histórica dos dois modelos.

O modelo objectivista nasce com o objectivo do controlo de legalidade. Este ponto de partida tem um enquadramento histórico no Liberalismo da pós Revolução Francesa e está directamente associado a uma necessidade de controlo de actuação da Administração Pública. A legalidade representava a actuação vinculada da Administração e garantindo o seu rigoroso cumprimento, era possível garantir que a Administração desenvolvia a sua actividade enquanto poder distinto do poder político. A autotutela do controlo de actuação da Administração nasce com o objectivo principal do afastamento do “fantasma nobiliástico” associado aos juízes que exerciam à época o poder jurisdicional. O modelo objectivista com a evolução da forma de actuação do Estado de um Estado “agressor” para um Estado “prestador” obrigou ao tempero do exclusivo controlo de legalidade com a existência de acções para defesa dos interesses particulares.

O modelo subjectivista desenvolve-se numa sociedade não corrompida pela necessidade de afastar uma classe social que ocupava determinados cargos públicos e assim a sua génese centra-se numa realidade de protecção de direitos subjectivos afectados pela actuação da administração. No modelo subjectivista verifica-se a sua insuficiência ou falta de apetência para garantir eficazmente a tutela de interesses não individualizáveis mas materializáveis em interesses comuns ou interesse público.

Para finalizar esta breve análise, a conclusão será obrigatoriamente que, sendo o ponto de partida um modelo objectivista ou subjectivista, dada a abragência da actuação da Administração, há dois objectivos distintos a proteger, os direitos individuais dos administrados e o interesse público resultado final da actuação material da Administração, não havendo uma resposta eficaz por parte de nenhum dos modelos apresentados na sua concepção mais pura.

No caso português após a reforma de 2002 o modelo implementado foi um modelo subjectivista mas temperado com apontamentos de objectivismo materializados através da “acção particular”, o alargamento da legitimidade nas “acções populares” e a legitimidade do Ministério Público enquanto “auxiliar de justiça, em defesa da legalidade”. Esta solução permite um equilíbrio entre subjectivismo e objectivismo, que, embora permitindo o alcance dos dois objectivos, embora focada essencialmente no prisma da protecção dos direitos subjectivos.

A resposta ao assunto do presente post é: Não! Qualquer dos modelos apresenta vantagens e desvantagens e uma solução eficaz tem de tentar conciliar “o melhor dos dois mundos”.

Nuno Mira Rodrigues
N.º 17697
ST1


sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A LEGITIMIDADE

Os pressupostos processuais são as condição de que depende o exercicio dos direitos e dos poderes no âmbito do processo.
A pretericao de qualquer dos pressupostos processuais obsta ao prosseguimento do processo, nos termos previstos no art.89 do CPTA determinando a absolvicao da Instânciaa ou a remessa para outro Tribunal.
O CPTA nao trata cada um dos pressupostos processuais especificamente,limita-se a enunciar as regras especificas relativa a legitimidade processual decorrendo os demais das normas constantes do ETAF ou do CPC . O tratamento autonomo da legitimidade processual no CPTA decoorre das especificidades que o contencioso administrativo apresenta a diversos niveis.

A legitimidade processual é o pressuposto processual pelo qual a lei selecciona os sujeitos de cada lide judicial, e devendo ser aferido nos termos em que o autor delineou o respectivo interesse directo e pessoal em impugnar o acto, sendo a sua ocorrência independente da existência real dos factos constitutivos do interesse processual.
A legitimidade activa-o autor parte legitima quando alegue ser parte na relacao material controvertida.( art.9 CPTA). O art. 9º CPTA distingue entre uma legitimidade para a defesa de interesses próprios, que tem lugar sempre que o sujeito alegue ser parte numa qualquer relação administrativa material controvertida, e uma outra legitimidade que cabe a todos os indivíduos, pessoas colectivas, autarquias locais e MP, “independentemente de terem interesse directo na demanda” (art. 9/2 CPTA) para a tutela objectiva dos bens e valores da ordem jurídica, defendendo a legalidade e o interesse público.

Legitimidade passiva- tem legitimidade passiva a outra parte na relacao material controvertidae, quando for o caso disso as pessoas ou entidades titulares dos interesses contrapostos aos do autor.( art.10 CPTA). Uma concepção de legitimidade, à luz do contencioso administrativo, é aquela que visa conciliar duas relações, uma de cariz material substantivo, e outra de cariz processual, fazendo com que os participantes no recurso sejam os sujeitos efectivos da relação material. Segundo o Prof. Antunes Varela, “ ser parte legítima na acção é ter o poder de dirigir a pretensão deduzida em juízo ou a defesa contra ela oponível. A parte terá legitimidade como autor, se for ela quem juridicamente pode fazer valer a pretensão em face do demandado, admitindo que a pretensão exista, e terá legitimidade como réu, se for a pessoa que juridicamente pode opor-se à procedência da pretensão.
Questão que tem sido debatida pela Doutrina e que está intrinsecamente ligada com o presente tema que nos ocupa, prende-se com a interpretação do art. 57ºCPTA quando se refere aos contra- interessados. Nos termos do preceituado artigo, para além da entidade autora do acto impugnado, são obrigatoriamente demandados os “ contra- interessados a quem o provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do acto impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo”. A intervenção processual dos contra - interessados sempre foi entendida como sendo uma decorrência do princípio do contraditório e da igualdade das partes uma vez que, sempre que possa haver contra - interessados num processo trilateral( com três partes principais), aqueles devem ter os mesmos direitos e deveres processuais iguais aos da entidade demandada, nomeadamente o direito de contestar, de recorrer e um dever de boa fé processual. Se na acção administrativa comum, os contra- interessados são chamados ao processo conforme a regra geral do art. 10º/1CPTA :” Cada acção deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor”, na acção administrativa especial o legislador veio dar maior densidade ao conceito de legitimidade passiva dos contra - interessados. É curioso compararmos o conceito de contra - interessados que vigorava na LPTA( Lei de processo nos tribunais administrativos), como “ aqueles a quem o provimento do recurso possa directamente prejudicar”, com o actual, após a reforma do contencioso administrativo, previsto da seguinte forma: aqueles que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo”.
Na esteira do Professor Vasco Pereira da Silva, o CPTA, ao considerar que, nos processos de impugnação, os sujeitos das relações multilaterais, com interesses coincidentes com os da autoridade autora do acto administrativo, são obrigatoriamente chamados a intervir no processo, está a abrir o contencioso administrativo à protecção desses direitos impropriamente chamados de “ terceiros”. Ora, as relações administrativas multilaterais presentes no Direito Administrativo implicam a revalorização da posição dos “ impropriamente chamados terceiros”, no âmbito do contencioso administrativo. Ao referir-se aos “contra - interessados” e a não definir de forma clara qual o seu papel no processo, o legislador relega tal intervenção para o lado passivo. O autor manifesta, assim, o seu desagrado pela ausência de tratamento, da posição dos “impropriamente chamados terceiros”, para além de não existir, ao nível dos processos de impugnação, uma regulação mais detalhada da sua participação. Parece-me que, actualmente, a redacção do art. 57ºCPTA traz consigo um novo problema de legitimidade processual, que não é de todo despiciendo e que, a meu ver, carece de ser devidamente concretizado pelo legislador.

O CPTA refere-se à legitimidade processual, designadamente no art. 55º/1,
alínea a), onde prevê que tem legitimidade para impugnar um acto administrativo “quem alegue ser titular de um interesse directo e pessoal, por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos; alínea b) o Ministério Público; alínea c) pessoas colectivas públicas e privadas, quanto aos direitos e interesses que lhes cumpra defender; alínea d) órgãos administrativos, relativamente a actos praticados por outros órgãos da mesma pessoa colectiva; alínea e) Presidentes de órgãos colegiais, em relação a actos praticados pelo respectivo órgão, bem como outras autoridades, em defesa da legalidade administrativa, nos casos previstos na lei. Uma concepção de legitimidade, à luz do contencioso administrativo, é aquela que visa conciliar duas relações, uma de cariz material substantivo, e outra de cariz processual, fazendo com que os participantes no recurso sejam os sujeitos efectivos da relação material. Segundo o Prof. Antunes Varela, “ ser parte legítima na acção é ter o poder de dirigir a pretensão deduzida em juízo ou a defesa contra ela oponível. A parte terá legitimidade como autor, se for ela quem juridicamente pode fazer valer a pretensão em face do demandado, admitindo que a pretensão exista, e terá legitimidade como réu, se for a pessoa que juridicamente pode opor-se à procedência da pretensão.
do art. 57ºCPTA quando se refere aos contra- interessados. Nos termos do preceituado artigo, para além da entidade autora do acto impugnado, são obrigatoriamente demandados os “ contra- interessados a quem o provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do acto impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo”. A intervenção processual dos contra - interessados sempre foi entendida como sendo uma decorrência do princípio do contraditório e da igualdade das partes uma vez que, sempre que possa haver contra - interessados num processo trilateral( com três partes principais), aqueles devem ter os mesmos direitos e deveres processuais iguais aos da entidade demandada, nomeadamente o direito de contestar, de recorrer e um dever de boa fé processual. Se na acção administrativa comum, os contra- interessados são chamados ao processo conforme a regra geral do art. 10º/1CPTA :” Cada acção deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor”, na acção administrativa especial o legislador veio dar maior densidade ao conceito de legitimidade passiva dos contra - interessados. É curioso compararmos o conceito de contra - interessados que vigorava na LPTA( Lei de processo nos tribunais administrativos), como “ aqueles a quem o provimento do recurso possa directamente prejudicar”, com o actual, após a reforma do contencioso administrativo, previsto da seguinte forma: aqueles que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo”.
Na esteira do Professor Vasco Pereira da Silva, o CPTA, ao considerar que, nos processos de impugnação, os sujeitos das relações multilaterais, com interesses coincidentes com os da autoridade autora do acto administrativo, são obrigatoriamente chamados a intervir no processo, está a abrir o contencioso administrativo à protecção desses direitos impropriamente chamados de “ terceiros”. Ora, as relações administrativas multilaterais presentes no Direito Administrativo implicam a revalorização da posição dos “ impropriamente chamados terceiros”, no âmbito do contencioso administrativo. Ao referir-se aos “contra - interessados” e a não definir de forma clara qual o seu papel no processo, o legislador relega tal intervenção para o lado passivo. O autor manifesta, assim, o seu desagrado pela ausência de tratamento, da posição dos “impropriamente chamados terceiros”, para além de não existir, ao nível dos processos de impugnação, uma regulação mais detalhada da sua participação. Parece-me que, actualmente, a redacção do art.57 carece de ser devidamente concretizacao pelo legislador.
Até aqui vimos a questão numa perspectiva de uma relação entre dois sujeitos, um de cada lado, contudo há que ter em conta, no contencioso administrativo actual, a existência de relações multilaterais e dessa forma permitir-se o chamamento a juízo de todos os titulares da relação material controvertida, para que possa haver coincidência entre relação material e relação processual.
Aquando da reforma do contencioso administrativo, o legislador apesar da sua tendencial e superior preocupação com as relações bilaterais, ter tido em conta as relações multilaterais e a necessidade de fazer intervir em juízo todos os sujeitos. Prevê-se, então, a possibilidade da ocorrência de situações de pluralidade de partes que correspondem às figuras gerais do litisconsórcio e da coligação.
Há litisconsórcio quando todos os pedidos são formulados por todas as partes (activo) ou contra todas as partes (passivo): há unicidade do pedido, assim como é unitária a relação jurídica substancial em litígio. Segundo o Prof. Vieira de Andrade, o art. 10/8 CPTA prevê mesmo um litisconsórcio necessário passivo nas pretensões dirigidas contra uma entidade pública, entre essa entidade e outra(s), cuja colaboração seja exigida pela satisfação de tais pretensões.
Quanto à coligação, esta existe quando cada um dos pedidos seja formulado por cada um dos autores (activa), ou contra cada um dos réus (passiva). Há então uma pluralidade de pedidos, logo uma pluralidade de relações materiais controvertidas, embora exista uma conexão entre si. O CPTA permite ainda a coligação de vários autores contra um ou vários demandados, assim como a conjugação de pedidos diferentes por um autor contra vários demandados, nos casos do art. 12º CPTA (e 30º CPC).
Enfim, apesar do contencioso administrativo ter na sua base e como sua função principal a tutela de interesses particulares (função subjectiva), há que ter cada vez mais em conta a propensão do contencioso administrativo para a sua função objectiva de defesa da legalidade e do interesse público. E ainda a ultrapassagem do paradigma das relações bilaterais entre administração e particulares; para uma progressiva multiplicação de interesses e relações multilaterais e com a consequência de o contencioso administrativo e a sua legislação se terem de adaptar, de forma a que haja coincidência entre os sujeitos da relação material controvertida e os sujeitos da relação processual (veja-se a possibilidade de litisconsórcio e de coligação, e do art. 48º CPTA que regula os chamados processos de massa, que são processos que envolvem uma multiplicidade de sujeitos, mas que dizem respeito à mesma relação jurídica material, e em que estão em causa idênticos fundamentos de facto e de direito).

Inês do Amaral-16643