segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A esquizofrenia dos pressupostos processuais

Os pressupostos processuais são elementos fundamentais em qualquer processo, sendo que o processo administrativo não é excepção à regra. A sua não verificação, nos termos em que são determinados pela lei, quer sejam pela positiva ou pela negativa, consubstanciam excepções dilactórias que obstam ao conhecimento do mérito da causa pelo juiz. Os mesmos devem ser apreciados na fase do Despacho Saneador que encontramos previsto no artigo 87º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA). Quando o juiz identifique a falta de verificação de um pressuposto processual deverá proceder à absolvição do réu da instância, à semelhança do que acontece no Processo Civil, cuja tramitação e regras são aplicadas à acção administrativa comum.

Estes pressupostos podem variar conforme variam também os tipos de acção, pelo que no final da enumeração e breve exposição de cada um, iremos tentar indicar os que são específicos de cada meio processual, conforme a disposição da matéria no Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise.

Começaremos pelo único pressuposto relativo ao tribunal:
A competência: A competência deverá dividir-se em: absoluta, quando respeite à jurisdição dos tribunais administrativos portugueses; e relativa, quando se refira à competência interna em razão da matéria, da hierarquia e do território.
Analisado o pressuposto relativo ao tribunal, cumpre-nos agora analisar, ainda que muito sucintamente, os pressupostos relativos aos sujeitos:
Personalidade judiciária: trata-se da susceptibilidade de ser parte num processo e, regra geral, corresponde à capacidade judiciária, estando os casos excepcionais previstos no artigo 10º nº 2 e nº 6 do CPTA. Assim é necessário também verificarmos aquele pressuposto:
Capacidade judiciária: consubstancia a susceptibilidade de alguém estar, por si, em juízo. A autonomização deste pressuposto em face da personalidade judiciária releva nos casos em que se verifiquem limites à capacidade de exercício, nomeadamente nas acções onde intervenham menores, interditos ou inabilitados.
Prosseguindo com a exposição, cabe agora analisar mais um pressuposto processual:
O patrocínio judiciário: este pressuposto encontra-se previsto no artigo 11º do CPTA, que consagra a regra geral da obrigatoriedade de patrocínio judiciário; sendo que em determinadas situações, a representação em juízo deverá ser feita por licenciado em direito, são os casos relativos a pessoas colectivas de direito público ou aos Ministérios, conforme previsto no nº 2 do mesmo artigo.
Mas nem todos aqueles que tenham personalidade e capacidade judiciárias e se façam representar por um advogado podem propor acções é ainda necessário que se verifique em relação ás partes um outro pressuposto:
A legitimidade: “Constitui o elo de ligação entre a relação jurídica substantiva e a processual (…)”. (pag368 do divã)[1] Encontramos este pressuposto regulado nos artigos 9º; 10º; 40º; 55º e 57º do CPTA, sendo o primeiro geral e os seguintes especiais. Podemos distinguir legitimidade activa, na qual se distinguem ainda a legitimidade pessoal (artigo 9º nº1) e a difusa ou popular artigo 9º nº2); de legitimidade passiva, consoante se reporte ao autor ou ao demandado.
Relativamente ao artigo 55º, importa esclarecer que o mesmo poderá ser entendido atendendo a duas teorias ou qualificações, a que entende que esta norma se reporta aos direitos fundamentais e aquela que consubstancia uma qualificação tripartida de direitos subjectivos; interesses legítimos e interesses difusos. Podemos concluir que ambas têm uma concepção ampla que nos levariam se não ao mesmo, pelo menos, a um resultado muito próximo.
A aceitação do acto encontra-se, como refere o Prof. Dr. Vasco Pereira da Silva, deslocada no Código e que essa deslocação se deve à “infância difícil do Contencioso Administrativo” de que tanto já ouvimos falar. De facto, também o Prof. Dr. José Carlos Vieira de Andrade entende que se trata de um pressuposto que não deve estar associado à legitimidade, no entanto, as opiniões da doutrina dividem-se quando se concerne à concretização desta qualificação. Entende o Prof. Vasco Pereira da Silva que a aceitação do acto não deverá resultar num pressuposto processual autónomo, mas sim numa decorrência do interesse em agir, já o Prof. Dr. Vieira de Andrade, defende a sua autonomização concluindo que estamos perante “um efeito de “perda do direito” que a lei impõe em face de uma atitude do particular de conformação com os efeitos desfavoráveis do acto (…)”.[2] Defende ainda o Prof. Vasco Pereira da Silva que, o que se verifica nos casos de aceitação, tácita ou expressa, como indica a respectiva norma, "é que o particular perdeu o interesse na impugnação desse acto administrativo”, mas esta perda de interesse não invalida que, verificando-se uma alteração de circunstâncias ainda no decurso do prazo para impugnação, o particular não possa revogar a sua declaração ou, de outra forma, estaria a ser vedado o acesso ao juiz previsto no artigo 268º nº 4 da CRP.
No seguimento da legitimidade interessa fazer referência a outro pressuposto que a complementa:
O interesse em agir: Este pressuposto obriga a que se verifique, em relação às partes do processo, um “interesse real e actual, isto é, da utilidade na procedência do pedido e constitui um pressuposto comum, directamente decorrente da ideia de economia processual”.[3] Também neste pressuposto encontramos alguma controvérsia quanto à sua autonomização, mas vamos considerar que o mesmo, embora autónomo, complementa a legitimidade das partes e que se consubstancia numa “utilidade ou vantagem imediata, para si, na declaração judicial pretendida”, conforme disposto no artigo 39º do CPTA.
Mas estes pressupostos têm de se verificar dentro de determinados limites temporais, que constituem outro pressuposto processual:
A oportunidade do pedido (ou tempestividade): Este pressuposto reporta-se, como é evidente, aos prazos e encontra-se consagrado nos artigos 58º e seguintes do CPTA onde encontramos as previsões que determinam os limites para proposição de acções de impugnação assim como os motivos de suspensão e critérios de contagem.
O artigo 58º nº4 constitui uma norma curiosa na medida em que permite o alargamento dos prazos de impugnação, “mediante a introdução de mecanismos de flexibilização da “lógica da irremediabilidade dos prazos”, que é um corolário do princípio da justiça material”, como defende o Prof. Vasco Pereira da Silva que saúda esta possibilidade[4]. Esta norma permite que, ainda que ultrapassados os prazos definidos para a proposição da acção tenham sido ultrapassados, caso exista uma “justificação válida”, ainda se pode dar seguimento à pretensão das partes, admitindo que a acção seja proposta.
Para concluir, a referência aos últimos pressupostos:
A cumulação ilegal de pedidos, a litispendência e o caso julgado: “Tratam-se de pressupostos negativos” [5], cuja previsão se encontra nos artigos 4º e 89º nº1 al. g) e i). Relativamente à litispendência e ao caso julgado importa referir que são de conhecimento oficioso e que se encontram ligados à repetição da causa ou melhor, à impossibilidade da sua repetição.

Terminada a exposição dos pressupostos comuns iremos indicar, como referimos no início, quais os pressupostos que terão de ser verificados, no âmbito da acção administrativa especial, de acordo com a modalidade ou pretensão que se visa obter com a acção.

Na acção administrativa especial para anulação de acto administrativo são pressupostos:
O acto administrativo impugnável (artigos 51º a 54º). Relativamente a este pressuposto importa perceber que o CPA adoptou um conceito amplo de acto administrativo “que compreende toda e qualquer decisão destinada à produção de efeitos jurídicos numa situação individual e concreta” e por isso, ainda na formulação do Prof. Dr. Vasco Pereira da Silva “não há que distinguir substantivamente os actos administrativos das decisões executórias ou dos actos definitivos e executórios” [6], desde que susceptíveis de lesar os direitos dos particulares. Importa também dizer que estes actos poderão ser praticados não apenas pela Administração, como também por particulares quando se encontram a colaborar com aquela e, por isso, se encontram no exercício de poderes administrativos, conclusão que se retira da conjugação dos artigos 120º do CPA e artigo 4º do ETAF. A impugnabilidade dos actos administrativos é aferida em função da sua eficácia externa e da lesão dos particulares, como se retira do artigo 51º nº1 do CPTA, sendo que se entende por eficácia externa dos actos a sua susceptibilidade de causar lesão por mera execução, pelo devemos ainda atender ao disposto no artigo 54º nº 1 al.a) e al. b) para os casos de “pré-eficácia”, isto é, para os casos em que o acto ainda não é eficaz e ainda não produziu efeitos jurídicos, mas a sua concretização é passível de causar lesão na esfera do particular.
A legitimidade (artigos 55º a 57º);
A oportunidade (artigo 58º)

No que respeita à acção administrativa especial para a prática de actos devidos, isto é, acções de condenação, terão de estar verificados os seguintes pressupostos processuais:
“Existência de uma omissão de decisão, por parte da Administração, ou prática de acto administrativo de conteúdo negativo” [7] , como previsto no artigo 67º do CPTA.
Legitimidade, que tem uma disposição especial no artigo 68º do CPTA
Oportunidade do pedido sobre o qual devemos atender ao disposto nos artigos 69º do CPTA.

Finalmente, e seguindo nesta parte da exposição a sequência que nos é apresentada pelo Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, surgem os pressupostos relativos ao pedido de impugnação de normas jurídicas, que também se encontra no âmbito da acção administrativa especial, e que são os seguintes:

A legitimidade que neste caso aparece associada à procedibilidade dos regulamentos;
O interesse em agir, nos termos do artigo 73º nº1 do CPTA;
A oportunidade do pedido, que neste caso não está limitada por prazos, conforme previsto no artigo 74º do CPTA.

Ana Sofia de Matos
Subturma:1
Aluna: 17609
[1] Pag. 368 Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise.
[2] Pag. 308 Justiça Administrativa
[3] Pag. 310 Justiça Administrativa
[4] Pag. 375 O contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise.
[5] Pag. 322 Justiça Administrativa
[6] Pags. 336 e 337 O Contencioso Administrativo no divã da Psicanálise
[7] Pag. 396 O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise

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