sábado, 13 de novembro de 2010

A acção de impugnação de acto administrativo

Mote[1]: Ay flores, ay flores do verde pinho, sabedes que acto é?

1. Do acto administrativo definitivo e executório...

A garantia constitucional de recurso contencioso do acto administrativo encontrava-se, antes da Revisão Constitucional de 1989, fixada no art. 268.º n.º 3 da CRP, quando esta ainda prescrevia “é garantido aos interessados recurso contencioso com fundamento em ilegalidade contra quaisquer actos administrativos definitivos e executórios”. Este acto administrativo “total”, “completo”, compunha-se da soma de duas parcelas funcionais: o acto definitivo, aquele que definia unilateralmente o direito aplicável no caso concreto, e o acto executório, aquele que representava um imperativo obrigatório, susceptível de execução forçada.
O princípio da tripla definitividade[2] implicava, horizontalmente a conclusão de todo um procedimento administrativo, verticalmente a autoria do acto por parte daquele que ocupasse o topo da cadeia hierárquica e materialmente desenharia a situação jurídica de um particular perante a Administração[3].
Se, por regra, todos os actos definitivos tendem para a executoriedade, a verdade é que existem actos definitivos não executórios (como um acto sujeito a visto no qual este ainda não foi aposto) e actos executórios não definitivos (como um acto inserido num procedimento).
O particular que pretendesse impugnar um acto administrativo teria pois, de aguardar a verificação desta dupla conjugação de factores, eventualmente exponenciadora da lesão da sua esfera jurídica.


2 …ao conceito latissimo de acto administrativo

A CRP, na sua versão actual, garante aos administrados “tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo (…) a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem (…)” (art. 268.º n.º 4).
Este preceito é ainda concretizado pelo art. 51.º n.º 1 do CPTA, que determina que “são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos”, ressalvando “ainda que inseridos num procedimento administrativo”.
Sinal dos tempos, o acto administrativo teve assim de acompanhar as mudanças de paradigma da Administração. Da (extrema) exigência de “definitivo e executório” passa a apontar uma realidade ampla, que “compreende toda e qualquer decisão destinada à produção de efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”[4].
Presentemente, o acto impugnável não tem de ser uma decisão final, podendo ser um acto intermédio, inserido em procedimento, ou uma decisão preliminar, e não tem de ser uma decisão executória, podendo ser um simples acto de execução. Basta que seja, nas palavras da lei, dotado de “eficácia externa” e “lesivo” de direitos ou interesses legalmente protegidos. Estaremos portanto, na presença de dois [novos] requisitos? Tudo depende da doutrina que se seguir. O Professor Vasco Pereira da Silva defende que estes são dois critérios autónomos, sendo o primeiro elencado no texto legal, a eficácia externa, o menos amplo, já que a sua primazia em relação à lesão de direitos é contrária à Constituição, à prática jurisdicional, e à própria lei, uma vez que o art. 54.º do CPTA prevê a impugnação de actos sem eficácia externa, desde que lesivos[5].
Já Vieira de Andrade defende que o conceito processual de acto administrativo impugnável só abrange expressamente as decisões administrativas com eficácia externa, cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos. Faz depender portanto, a possibilidade de impugnação, em primeiro lugar, da susceptibilidade da produção de efeitos nas relações jurídicas administrativas externas [6].
O art. 120.º do CPA, pelo menos literalmente, não parece exigir esta “exterioridade”, bastando-se com a produção de efeitos “numa situação individual e concreta”.
Se seguirmos esta segunda posição doutrinária, mais exigente, teremos de excluir, como faz o seu autor, a possibilidade de impugnar actos instrumentais, acções ou operações materiais e comportamentos da Administração[7], ainda que lesivos.
Tendo vislumbrado a possibilidade de impugnar quaisquer actos lesivos, na enorme janela de possibilidades aberta pela Constituição, quereremos dar esse passo atrás que representa o ter de esperar pela eficácia externa do acto administrativo, porque assim o parece exigir um texto legal com dignidade infraconstitucional, como o CPTA? Por nós, não seguimos esta via, e lamentamos, com Vasco Pereira da Silva, a formulação “infeliz” do art. 50.º n.º 1 do CPTA[8].

[1] Da questão levantada em aula prática, a propósito do caso III, pág. 24, de O Processo Administrativo em Acção, Silva, Vasco Pereira da, et al, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2009
[2] Amaral, Diogo Freitas de, Direito Administrativo, vol. II, policopiado, Lisboa, 1988, pág. 238
[3] Idem, Ibidem, páginas 207-214
[4] Silva, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Coimbra, Almedina, 2009, pág. 336
[5] Idem, Ibidem, pág. 345
[6] Andrade, José Carlos Vieira de, A Justiça Administrativa (Lições), Coimbra, Almedina, 2009, pág. 212
[7] Idem, Ibidem, pág. 211
[8] Silva, Vasco Pereira da, op cit, pág. 344

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