terça-feira, 16 de novembro de 2010

Transparência ainda não é lei na contratação pública

O código da contratação pública permite a realização de concursos com um número limitado de concorrentes (regime de prévia qualificação).

Mas, apurou o PÚBLICO, há instituições que não estão a respeitar integralmente os critérios impostos pela legislação, pondo em causa os princípios de igualdade e transparência indispensáveis neste regime de adjudicações.

O regime de prévia qualificação foi criado para assegurar a presença de concorrentes em concursos com relativa complexidade técnica e financeira. Obedece às regras do concurso público geral, mas é feito em duas fases - uma que permite a selecção dos candidatos (uma qualificação prévia) antes da apresentação e da análise das propostas e outra em que ocorre a selecção do adjudicatário. Os critérios devem ser exclusivamente fixados em função das habilitações profissionais e da capacidade financeira ou técnica dos concorrentes.
Mas alguns representantes do sector da construção confirmaram, estes critérios poderão estar a ser usados de forma a fazer perigar os princípios de igualdade, transparência e concorrência com que foram criados.

"Depois dos ajustes directos e dos concursos públicos urgentes, em que se pedem projectos em 24 horas ou em cinco dias, alguns concursos com prévia qualificação poderão estar a pôr em causa a escrupulosa salvaguarda da concorrência e da transparência. E isto é inadmissível, num momento como o que atravessamos", argumenta o presidente da Confederação da Construção e do Imobiliário, Manuel Reis Campos.

Tome-se como exemplo um concurso lançado pela Câmara de Famalicão para a construção de um parque urbano, cujo investimento ronda os dez milhões de euros. O anúncio foi publicado a 17 de Setembro, tem financiamento comunitário assegurado e prazos apertados para o cumprir. São esses prazos e esse financiamento que levam a que o município, liderado por uma coligação PSD/CDS-PP, presidida por Armindo Costa, tenha optado por contornar o pedido de suspensão de eficácia do concurso apresentado em tribunal. O executivo decidiu recentemente aprovar uma proposta a fazer prosseguir o concurso.

Um dos concorrentes que se apresentaram a concurso fez entrar um pedido de suspensão de eficácia no Tribunal Administrativo de Braga, contestando os requisitos financeiros inscritos no programa do concurso e que limitavam fortemente a participação dos concorrentes.

Os requisitos mínimos de participação exigiam aos concorrentes uma capacidade financeira muito superior àquela que está definida na lei dos alvarás - que, anualmente, habilita as empresas de construção a exercerem a sua actividade. A legislação diz que o índice de liquidez geral da empresa deverá ser de 105 por cento e o rácio de autonomia financeira deverá situar-se nos dez por cento. Mas no concurso para o Parque da Cidade, em Famalicão, foi pedido um rácio de 27,5 por cento de autonomia financeira e de 150 por cento no caso do índice de liquidez geral. O município exige ainda que as empresas demonstrem um volume de negócios, para cada um dos últimos três anos, sempre superior a 40 milhões de euros.
A conjugação destes requisitos impediria, por exemplo, as maiores empresas do país - como a Mota-Engil, a Opway, a Soares da Costa, a Somague ou a Teixeira Duarte - de se apresentarem a este concurso, mas também outras grandes companhias como a Casais, a MSF, a J. Gomes, a DST ou a Eusébios. O critério do volume de negócios impede também o acesso de muitas pequenas e médias construtoras.

Questionada pelo PÚBLICO, fonte autorizada do município afirmou que a intenção era garantir que teria em presença empresas com elevada solidez financeira, que pudessem assegurar a boa continuidade do projecto nos momentos de crise como o que atravessamos. Neste momento, o júri do concurso está a apreciar a candidatura de cinco empresas: Alexandre Barbosa Borges, Alberto Couto Alves, Conduril, Construtora San José e Gabriel Couto, tendo esta última apresentado o pedido de suspensão de eficácia.

Fonte da autarquia sublinha que não quer afastar ninguém e recorda que tem tido relações com a empresa que decidiu tentar, em tribunal, suspender este processo - nomeadamente a adjudicação, por ajuste directo, de obras num centro escolar.

Sublinhando não querer falar de casos concretos, o presidente da Confederação da Construção limita-se a repetir que "é necessário moralizar os concursos públicos" e proceder a alterações no código dos Contratos. e recorda que, nos últimos meses, contam-se já em 82 os concursos públicos urgentes que foram lançados com prazos de entrega "impossíveis de pensar".

Fonte: Público

Dalila Baldé
SUB-1, 16571

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