sábado, 6 de novembro de 2010

Relativamente à notícia do post anterior, tive o cuidado de ir verificar o Acordão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), para que o mesmo seja apreciado à luz da nossa cadeira de Contencioso Administrativo e Tributário, sendo relevante para a matéria abordada na nossa última aula prática pelo Dr. Domingos Farinho, uma vez que esta situação foi originada por Acção Popular interposta no TAF de Leiria contra o Município de Pombal. O direito de acção popular, como direito fundamental, visa a protecção dos interesses difusos. A defesa destes interesses, é concedida aos cidadãos uti cives e não uti singuli, precisamente porque são interesses de toda a comunidade, e, por isso, os cidadãos uti cives têm o direito de promover a defesa de tais interesses, individual ou associativamente.

Acórdãos STA
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:
0695/10
Data do Acordão:
30-09-2010
Tribunal:
1 SECÇÃO
Relator:
ROSENDO JOSÉ
Descritores:
RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONALPRESSUPOSTOS
Sumário:
I – O Acórdão do TCA que mantém sentença de improcedência de pedido de condenação a intimar uma Câmara a abster-se de instalar um cemitério em certo local por causar poluição de um aquífero, designadamente de água utilizada pelos residentes, o qual baseou o seu juízo na convicção de que foram recolhidos pareceres e elementos que sustentam a conclusão de não existir o risco de consequências negativas para a vida e a saúde das populações que era a causa de pedir, assenta em matéria de facto que o STA toma como ‘adquirido’ e que condiciona em definitivo o sentido da decisão.II – A alegação de ter sido omitida a realização de estudo de impacto ambiental, não apresenta relevância, no caso concreto, em virtude de as instancias terem decidido e fundamentado a omissão em não ser legalmente exigido aquele sub-procedimento e uma vez que os recorrentes não apresentam contra argumentação que assinale erro desta decisão. II – Nas circunstancias referidas não estão preenchidos os pressupostos do art.º 150.º n.º 1 do CPTA e não é de admitir recurso de revista excepcional.
Nº Convencional:
JSTA000P12194
Nº do Documento:
SA1201009300695
Recorrente:
A...
Recorrido 1:
MUNICÍPIO DE POMBAL
Votação:
UNANIMIDADE
Formação de Apreciação PreliminarAcordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do STA:I – Relatório:A… e outros, interpuseram no TAF de Leiria acção popular contra MUNICÍPIO DE POMBAL, Visando a proibição da construção de um cemitério na zona do …, …, concelho de Pombal, que o dito Município ali pretende instalar, sem ter auscultado a população e sem ter realizado estudo de impacto ambiental.Em 12/06/2007 o TAF julgou a acção improcedente, decisão que foi confirmada pelo TCA - Sul, por Acórdão de 29/04/2010.Deste Acórdão os AA. interpõem recurso de revista nos termos do artigo 150º do CPTA. No entanto, não alegam razões que justifiquem a admissão de um recurso de natureza excepcional e tratam de alegar como se de um recurso admissível em geral se tratasse. Quanto às razões de fundo mantêm a posição que sustentaram nas instâncias e imputam ao Acórdão recorrido nulidade nos termos do artigo 660º n.º 2, por ter atendido a factos que não foram alegados nem podiam ser atendidos; violação do disposto nos artigos 506º; 507º e 668º n.º 1 al. d) do CPC, assim como do disposto nos artigos 66º n.º 1 al. m) e 88º, ambos da CRP, do previsto nos artigos 26º, 10º n.º 3, alíneas 2) e b), 11º n.º 2, 30º n.º 1, da Lei de Bases do Ambiente, assim como violação da Directiva n.º 2000/60/CE de 23/10/00 (directiva quadro sobre a água), DL n.º 236/98, de 1/08, DL n.º 69/2000 de 3/05, DL n.º 382/99, de 22/09. O MUNICÍPIO DE POMBAL contra-alega, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.Nos termos do n.º 5 do art. 150º do CPTA compete a esta formação apreciar se estão reunidos os pressupostos para a admissão da revista. II – Apreciação. Os pressupostos do recurso de revista.O recurso de revista de decisões proferidas pelos TCA quando julga em segunda instância, isto é, a terceira apreciação jurisdicional de uma causa administrativa é, em geral, rejeitado pela lei de processo (art.º 142.º n.ºs 1 e 2 do CPTA), embora seja permitido que o STA, a título excepcional, admita a terceira apreciação de uma causa num recurso relativo a matéria de direito, exclusivamente quando estejam reunidos certos pressupostos que a lei (art.º 150.º n.º 1 do CPTA), aponta como índices de que tem uma relevância superior ao comum. Tais pressupostos respeitam à natureza das questões sobre as quais versa o litígio, que devem atingir um grau de importância fundamental, de uma perspectiva jurídica ou social, ou mostrar-se claramente necessária a intervenção do STA para uma melhor aplicação do direito.Assim, é mantido e aprofundado o princípio da apreciação jurisdicional das causas administrativas, como regra, apenas em duas instâncias. Na consecução deste objectivo concorrem com o disposto no art.º 150.º do CPTA, a previsão de revista “per saltum” do artigo 151.º, e a transformação do recurso para uniformização de jurisprudência num recurso do tipo acção revisiva, a ser interposto após o trânsito em julgado da decisão recorrida.Na concretização dos conceitos relativamente indeterminados que a lei estabelece como orientação para a filtragem dos recursos de revista a admitir excepcionalmente, o STA tem vindo a entender que a relevância jurídica fundamental exigida pelo artigo 150º n.º 1 do CPTA se verifica, designadamente, quando a questão a apreciar seja de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, de ser necessário compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis, bem como casos em que a questão se reveste de novidade, e relativamente à qual não tenha havido oportunidade de o STA se pronunciar.Sobre a apreciação da relevância social fundamental, o STA tem entendido que este requisito se verifica, designadamente, nas situações em que esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão no tecido social, ou expansão do interesse orientador da intervenção do Supremo relativamente a futuros casos análogos ou do mesmo tipo, mas em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.A admissão de revista para melhor aplicação do direito terá lugar, designadamente quando, em face das características do caso concreto, ele revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros, cuja decisão nas instâncias está a suscitar fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios, fazendo antever como objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema, ou seja, tendo como finalidade conseguir o bom funcionamento do contencioso administrativo.Vejamos se no presente caso os aludidos pressupostos se verificam:Na origem do litígio encontra-se a pretensão dos AA de obstar à construção de um cemitério porque, na sua perspectiva, dessa utilização decorre a contaminação dos lençóis freáticos daquela zona e da água da fonte da charneca, na qual a população há longo tempo se abastece. Sublinham que o solo é arenoso e permeável aumentando a possibilidade de contaminação pela decomposição dos cadáveres e também que a utilização não foi antecedida de consulta popular nem de estudo de impacto ambiental.Sustentam que o Acórdão recorrido incorre em erro de julgamento uma vez que, tal como a sentença de 1ª instância, não teve em conta a prova oferecida pelos Recorrentes, designadamente o estudo e as conclusões de um perito. Mais alegam que o Acórdão recorrido é nulo, nos termos do disposto no artigo 668º n.º 1 al. d), porquanto atendeu a factos (24 e 25 da base instrutória) que não poderiam ser atendidos para alicerçar a decisão.A apreciação efectuada pelo TAF de Leira e pelo TCA- Sul foi praticamente coincidente. Basearam-se na apreciação da matéria de facto dada por assente e não impugnada pelos Recorrentes. Assim, o Acórdão recorrido considerou os estudos elaborados por entidades públicas credenciadas como o Instituto Tecnológico e Nuclear e o Departamento de Ciências da Terra da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, os quais concluem não decorrer da instalação do cemitério no local escolhido os danos ambientais alegados pelas Recorrentes. O Acórdão recorrido considerou também a pronúncia favorável à instalação do cemitério naquele local, emitida pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro e pela Autoridade de Saúde Local, donde concluiu que tal “... demonstra não só que foram equacionadas todas as condicionantes do ponto de vista do ordenamento do território, bem como as consequências daí derivadas para a qualidade de vida e saúde das populações envolventes” (cfr. pág. 16 do Acórdão recorrido).O STA não pode alterar na revista esta matéria de facto, uma vez que não vem alegada violação de lei expressa a exigir certa prova ou a fixar a força de certo meio de prova – art.º 150.º n.ºs 2,3 e 4.Quanto à invocada nulidade pelo conhecimento, a partir de documentos, de certos factos que não teriam sido alegados nem poderiam ser conhecidos, o TCA entendeu :“Os documentos em causa destinavam-se a fazer prova, por parte do município de Pombal, de que havia cumprido os requisitos exigidos pelo n.º 1 do Decreto n.º 44.220, de 3-3-1962, para a escolha de terrenos para a instalação de cemitérios (...).Ora, tais factos - (...) – eram susceptíveis de ter, segundo o direito substantivo aplicável, influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida, podendo nomeadamente constituir facto extintivo do direito que os autores pretendem fazer valer na acção popular intentada.Deste modo, não se antevê qualquer obstáculo processual a que os factos documentados a fls. 429 a 433 dos autos pudessem ter sido atendidos na decisão recorrida, ao abrigo do disposto no artigo 663º n.º 1 e 2 do CPC. Aliás, no âmbito da acção popular, são dados ao julgador pelo artigo 17º da Lei 83/95, de 31/8, amplos poderes e iniciativa própria no tocante à recolha de provas, sem vinculação à iniciativa das partes, o que demonstra que neste tipo de acções, o fim em vista, atentos os valores que lhe subjazem, deve ser sempre a descoberta de todos os factos relevantes, de modo que, à semelhança do disposto no n.º 1 do artigo 663º do CPC, a decisão corresponda á situação existente no momento do encerramento da discussão.Daí que, ao atender aos factos constantes dos documentos de fls. 429 a 433 dos autos, o Senhor juiz “a quo” não conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, não sendo em consequência a sentença recorrida nula (...)” (cfr. págs. 12 e 13 do Acórdão recorrido).Como se vê do transcrito, o TCA situou-se ainda em matéria de facto e do âmbito dos limites ao respectivo conhecimento. Este segundo aspecto é matéria de direito processual, mas tem relevância restrita ao caso, não apresenta especial dificuldade, nem foi decidido de forma que se afaste do que é habitual ou da letra e do espírito geralmente reconhecido ao quadro legal que foi aplicado.Quanto à falta de estudo de impacto ambiental para a instalação do cemitério naquele local, as instancias decidiram com base no disposto no art.º 1.º n.º 2 do DL 69/2000, de 3/5, que a construção de cemitérios não está incluída nos projectos susceptíveis de produzirem danos significativos no ambiente, que são os incluídos nos anexos I e II do diploma. Os AA não argumentam contra esta decisão no sentido de demonstrar de que modo teria incorrido em erro, limitam-se a reafirmar que era necessário estudo de impacto ambiental. Nestas condições a matéria jurídica a apreciar neste ponto pelo tribunal “ad quem” é praticamente nula, em virtude do que esta questão jurídica não apresenta relevância que justifique a admissão do recurso.III – Decisão:Atento o exposto, acordam em conferência, na secção de contencioso administrativo do STA, em não admitir o recurso de revista por não se verificarem os pressupostos exigidos pelo artigo 150º n.º 1 do CPTA.Custas pela Recorrente.Lisboa 30 de Outubro de 2009. – Rosendo Dias José (relator) – Santos Botelho – Maria Angelina Domingues
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/41981ac5bbc75f1f802577b40056f952?OpenDocument&Highlight=0,cemit%C3%A9rio

Nuno Torres
Aluno n.º 17642

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