terça-feira, 2 de novembro de 2010

Evolução do contencioso administrativo no reino de Espanha

Pretendo com este texto levar a cabo a tarefa proposta pelo prof. Vasco Pereira da Silva – análise da evolução do processo administrativo de um país distinto do nosso, tendo em conta o faseamento e a lógica apontada em «O Contenciosa Administrativo no Divã da Psicanálise».
O País escolhido é o reino de Espanha.
Antes de proceder à análise (muito sucinta) procederei a um breve (muito sucinto também) excurso histórico geral sobre o Contencioso Administrativo para dessa foram ser mais fácil a comparação entre o geral e o particular.

EXCURSO – EVOLUÇÃO GERAL DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
FASES DA EVOLUÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO

Fase do “pecado original”
Pode-se dizer que este “pecado” é do promiscuidade entre o julgar e o administrar. O da mistura entre o poder de julgar e o poder de administrar. Estamos no período do juiz-administrador.
Esta fase pode-se subdividir em três períodos:
- Um primeiro, em que o julgamento dos litígios é remetido para os próprios órgãos da Administração – era a “mistura” no seu máximo:
- Um segundo período, denominado de “justiça reservada”. Corresponde à criação do Conselho de Estado (França). Este era um órgão consultivo da Administração, que além de aconselhar, tinha por missão a resolução dos litígios administrativos pela feitura de pareceres sujeitos a homologação do Chefe de Estado. Era um órgão meio-administrativo, meio-judiciário.
- Por fim, um terceiro período, conhecido pelo sistema da “justiça de delegada”. Corresponde a uma evolução do período anterior, pois aqui as decisões do Conselho de Estado tornam-se definitivas por “delegação de poderes” do executivo, deixando então de ter a natureza de meros pareceres sujeitos a homologação. Este período corresponde ao auge da figura do administrador-juiz.
A fase do “pecado original” corresponde ao período do Estado Liberal. O modelo aqui seguido é o da Administração-poder, investida de “imperium”, aplicadora e executora da lei através de actos típicos unilaterais, sobretudo, a ordem, a proibição, a autorização, a concessão e a sanção. Estes actos eram passíveis de execução forçosa; em suma-síntese: trata-se daquilo que costuma ser referido como a Administração-agressiva.

Fase do “ baptismo”, ou da plena jurisdicionalização do Contencioso Administrativo
Esta fase corresponde, grosso modo, ao período de instauração do Estado Social, tendo começado ainda na transição do Estado Liberal para o Estado Social, finais do século XIX e princípios do século XX. Consolidou-se com a efectivação do Estado Providência – na sequencia das guerras mundiais do século XX.
Tão pragmática foi esta mudança que em França falava-se do “ milagre”. Milagre como facto constatado da aceitação que o próprio Estado se considerava vinculado pelo direito (sendo ele o próprio criador desse direito).
Como emblema desta mudança temos que instituições (como o supra-citado Conselho de Estado) que nasceram com o objectivo de proteger a Administração do controlo dos tribunais, se terem transformado elas próprias em verdadeiros tribunais. Vasco Pereira da Silva fala aqui na transformação de instituições surgidas para proteger a Administração em instrumentos de garantia dos particulares perante o poder administrativo.
É nesta época/fase que dá um aprofundamento da noção de Estado de Direito, que vem associada ao Estado Social. Isto obriga a que os litígios entre a Administração e os particulares sejam julgados por verdadeiros tribunais.
Nesta fase a Administração deixa de ser concebida como meramente agressiva dos direitos dos particulares, como tinha sido no modelo de Estado liberal, para passar a ser prestadora de bens e serviços.
Algumas notas finais sobre a caracterização desta fase: a natureza prestadora da Administração e o estabelecimento de relações jurídicas duradouras entre os particulares e as autoridades públicas; o reconhecimento de posições subjectivas de vantagem aos particulares nas relações administrativas; a nova concepção do princípio da legalidade e o entendimento do poder discricionário como modo de realização do Direito. No Estado Social o princípio da legalidade deixa de ter uma dimensão meramente negativa, enquanto simples limite destinado a impedir a Administração de agredir a esfera privada dos particulares (reserva de lei), como no período do Estado Liberal, para passar a ter uma dimensão positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda a actuação administrativa (precedência de lei); a Administração Pública deixa de ser concebida como meramente executiva para se tornar cada vez mais numa actividade prestadora e constitutiva; a transformação do acto administrativo, que deixa de ser meramente agressivo, como na lógica da administração agressiva, para passar a ser predominantemente “favorável” ou “constitutivo de direitos”, como é apanágio de uma Administração Prestadora.

Fase do “ crisma” ou da “confirmação”
Esta fase – que hoje vivemos – caracteriza-se pela reafirmação da natureza jurisdicional do Contencioso Administrativo, mas agora acompanhada pela actuação da dimensão subjectiva, destinada à protecção integral e efectiva dos direitos dos particulares. O juiz goza não apenas de independência mas também de plenos poderes face à Administração.
Esta fase corresponde ao Estado Pós-Social (há quem prefira usar o termo “regulador”) - o actual. Trata-se de um tempo em que o Contencioso Administrativo conhece uma expansão tal que é comummente designada como uma “explosão”, e que está ligada à invasão das relações sociais por regulamentações cada vez mais complexas e mais imperfeitas, ao mesmo tempo que se verifica uma maior consciência dos direitos pelos particulares.
A afirmação destas duas vertentes – jurisdicional e subjectiva do Contencioso Administrativo é realizada, em primeiro lugar, ao nível do Direito Constitucional, e em segundo pelo Direito Europeu.
Podemos subdividir esta fase em dois períodos:
- Um primeiro período, o da constitucionalização do Contencioso Administrativo. Caracteriza-se este pela consagração constitucional de um modelo de Contencioso Administrativo realizado por verdadeiros tribunais e destinado a garantir uma protecção integral e efectiva dos direitos dos particulares;
- Um segundo período, o da europeização do Contencioso Administrativo. A par da constitucionalização, a mudança de paradigma do Contencioso Administrativo é também resultado da sua “europeização”. Esta tem vindo a intensificar-se nos tempos mais próximos, quer pelo surgimento de fontes europeias relevantes em matéria de Contencioso Administrativo (por exemplo, nos domínios da contratação pública, dos serviços públicos, das providências cautelares), quer pela convergência crescente das legislações nacionais, que é potenciada pela integração jurídica (horizontal) e pelo comparatismo entre sistemas.

ANÁLISE MUITO SUCINTA DA EVOLUÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO NO REINO DE ESPANHA

Em Espanha, tal como nos outros países da mesma família jurídico-administrativa, a influência do modelo francês foi determinante. Modelo que projectava uma certa forma de organização politica, aquilo que deveria ser o poder do Estado, e em seguimento, o próprio Contencioso Administrativo.
Este formato ou modelo reflectido em cada um dos países teve as suas próprias particularidades aquando da concretização.
Em traços genéricos, o modelo global (que embora tendo por base o modelo francês podemos dizer que o ultrapassa uma vez que resulta da análise conjunta dos modelos continentais) foi acima exposto; de seguida exporei as particularidades/concretizações verificadas em Espanha.

Fase do “pecado original”: a Constituição espanhola (de Baiona), de 1808, introduziu o modelo francês, isto na sequência das revoluções liberais. Este facto esteve na origem de várias legislações em matéria de Contencioso Administrativo.
Verificou-se a implementação, em 1845, de um sistema de justiça reservada, em que cabia aos órgãos do contencioso (os Conselhos Provinciais e o Conselho de Estado) a emissão de simples pareceres, sujeitos a homologação do executivo. Posteriormente, por intermédio da famosa Lei Santamaría de Paredes, de 1888, os pareceres desses órgãos passam a decisões, sendo instaurado o sistema de justiça delegada.

Fase do “baptismo”, ou da plena jurisdicionalização do Contencioso Administrativo: a Lei Maura, de 5 de Abril de 1904, vai proceder à criação de uma “Sala” de Contencioso Administrativo no Supremo Tribunal de Justiça. A lei espanhola afasta-se assim, do modelo de justiça administrativa francesa, da jurisdição autónoma para o Contencioso Administrativo, consagrando antes os tribunais administrativos como tribunais especiais dentro de uma jurisdição comum. Assim, pode-se afirmar que o legislador espanhol foi aquele, de entre os demais legisladores da mesma família, que melhor foi capaz de superar os “traumas” do “contencioso privativo” da Administração, integrando o Contencioso Administrativo não só no poder judicial, mas também numa única jurisdição (aproximando-se, quanto a este aspecto, do sistema britânico), ainda que mantendo a especialização como traço de família, de matriz francesa.
Solução original deste modelo espanhol, considerando os tribunais administrativos como tribunais especializados dentro do poder judicial, que foi retomada pelas legislações posteriores – Lei de Dezembro de 1956, Lei de 26 de Dezembro de 1978 - e se mantêm até aos nossos dias – “Ley de la Jurisdicción Contencioso- Administrativa de 1998”.

Fase do “crisma” ou da “confirmação”: Vejamos primeiro o primeiro período – o da constitucionalização do Contencioso Administrativo.
Em Espanha a constituição de 1978 vem consagrar a inclusão da jurisdição do Contencioso administrativo na ordem do poder judicial, assim “confirmando” o sistema, não só jurisdicionalizado, mas também de jurisdição única (que já vinha do “baptismo” de 1904), mas elevado agora ao nível da lei fundamental, ao mesmo tempo que garante a respectiva dimensão subjectiva.
O centro deste novo paradigma contencioso é, assim, o direito à tutela judicial efectiva que passa a dominar agora toda a economia do Contencioso Administrativo.
Segundo período – o da europeização do Contencioso Administrativo.
A reforma do Contencioso Administrativo de 1998 “Ley de la Jurisdicción Contencioso - Administrativa de 1998” é considerada, simultaneamente, como a realização de um imperativo constitucional e de uma exigência europeia – pois, por um lado verificava-se um «verdadeiro colapso geral da justiça administrativa», provocado pela avalanche de processos que os tribunais não conseguiam responder, originando a violação das disposições constitucionais, bem como do art. º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, por outro lado existia uma situação de défice da tutela cautelar, que consagrava apenas a eventual suspensão da execução do acto recorrido.
Solucionados estes “berbicachos” pela reforma de 1998, pode-se dizer que esta foi decisiva do ponto de vista da constitucionalização e da europeização da justiça administrativa, estabelecendo um sistema destinado a garantir a protecção plena e efectiva dos direitos dos particulares.
Dito isto fica concluído o trabalho (muito sumário) a que me propus. Resta dizer que utilizei como obra de apoio o «O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise» cujo autor é de todos os que lerem estas linhas conhecido.

Bruno Espada
Aluno n.º 17206
Sub-turma 1

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