domingo, 28 de novembro de 2010

Legitimidade...
Passado e Presente



1- O modelo processual de justiça administrativa que tivemos em Portugal, foi concebido com base do modelo francês, um modelo objectivista, cujo contencioso-regra era o recurso de anulação de actos administrativos, um modelo que se pautava por uma concepção actocêntrica do Direito Administrativo e que vigorou até à reforma de 2002.
Ao particular, face aos privilégios autoritários da Administração que este modelo de contencioso protegia, restava esperar, provocar, e em caso de silêncio da Administração, ficcionar um acto administrativo (tácito/silente) para, só então, poder recorrer (necessidade de decisão administrativa prévia). Esta modelo não reconhecia a titularidade de direitos subjectivos aos particulares, no relacionamento que estes tinham com a Administração. Era-lhes imposto um desrazoável e excessivo formalismo de recorribilidade, tal como a identificação do acto recorrível, a sua qualidade de acto “definitivo” e “executório e uma ordem de conhecimento dos vícios que o afectavam.
O recurso de anulação era tido como uma auto-verificação da legalidade do acto, a legitimidade activa não dependia da afirmação de um direito subjectivo lesado por uma actuação administrativa ilegal, mas sim da mera existência de um interesse de facto do particular, o direito à legalidade. Este era um contencioso de mera legalidade, em que ao tribunal apenas competia declarar a validade ou invalidade do acto recorrido, e caso o tribunal concluí-se pela sua desconformidade com a lei, devia limitar-se a declarar essa ilegalidade e consequentemente anulá-lo sem que dessa anulação retirasse imediatamente efeitos, pois essa tarefa cabia em primeira linha à Administração.
No entanto, apesar do processo negar ao particular uma protecção jurisdicional efectiva (substancial e procedimental), não deixa de ser irónico que a legitimidade activa fosse determinada em razão do interesse do particular na obtenção da declaração de ilegalidade do acto, (“A jurisprudência administrativa delimita o interesse em agir no contexto dos mesmos parâmetros de necessidade de tutela de um direito que merece protecção e que justifica a emissão de sentença judicial.” – Acórdão do STA de 28/01/2009, Proc. n.º04772/09). Verificamos que os requisitos que a jurisprudência e a doutrina exigiam na determinação do interesse em agir, o interesse directo, pessoal e legitimo, – e que se diz directo “quando o beneficio resultante da anulação do acto recorrido tiver repercussão imediata no interessado”, se diz pessoal “quando a repercussão da anulação do acto recorrido se projectar na esfera jurídica do interessado”, se diz legítimo “quando é protegido pela ordem jurídica como interesse do recorrente”, (Prof. Freitas do Amaral, in “Direito Administrativo”, vol. IV), apontavam claramente para a relação material.

Em matéria de legitimidade activa a reforma de 2002, veio consagrar o mesmo principio geral do processo civil, determinando que a legitimidade decorre da alegação da posição de parte na relação material controvertida (art.º 9.º, n.º1 do CPTA). Agora os “participantes no processo” são tidos como sujeitos efectivos da relação material. O particular tem ao seu dispor acções e não o recurso que caracterizava o modelo anterior. O autor é parte legitima sempre que alegue ser parte na relação material controvertida, o que significa que tem legitimidade em razão dos direitos subjectivos, ou da posição substantiva de vantagem que alegue ser titular na relação jurídica administrativa.
Temos agora um contencioso predominantemente subjectivista, de plena jurisdição (o modelo objectivista continua consagrado através da acção popular e da acção pública) concebido como processo de partes, que atende ao principio constitucional da tutela jurisdicional efectiva dos direitos dos particulares (268.º, n.º4, da CRP), que confere ao particular o estatuto de parte ou seja reconhece-lhe a qualidade de sujeito de direito nas relações administrativas .

2 - O facto de no antigo contencioso apenas se reconhecerem ao particular simples interesses nas relações administrativas (que seriam próximos ou opostos aos da administração) conduziu à teorização substantiva destes interesses, teorização esta que veio dar corpo às noções de interesse legítimo e interesse difuso.
Surge assim uma classificação de direitos em categorias como se estes tivessem uma natureza diferente quando na realidade apenas se distinguem pelo seu conteúdo.
Certo é que apesar das diferentes categorias (direitos subjectivos, interesses legítimos e interesses difusos) todos eles atribuem aos particulares posições substantivas de vantagem destinadas à satisfação de interesses individuais. Em termos práticos em nada esta classificação altera a posição substantiva do particular, pelo que adoptar uma teoria unificada de direitos públicos traria a vantagem de se abandonar uma construção tripartida que teve origem no modelo objectivista e visava conformar os direitos dos particulares a um contencioso feito à medida dos poderes autoritários da Administração. Na verdade, tal como se encontra na ordem jurídica, ela não deixa de ser entendida como uma classificação de direitos em categorias, e consequentemente, até de forma inconsciente, ou não, a inevitável secundarização “dos de categoria inferior”.

José Martins
Aluno n.º17629

Sem comentários:

Enviar um comentário