domingo, 21 de novembro de 2010

O conto da legitimidade

Os pressupostos processuais são os elementos que se têm que verificar para que a relação processual seja validamente constituída.

O pressuposto processual da legitimidade traduz-se, actualmente, na ligação entre a relação jurídica substantiva e a relação jurídica processual, permitindo, desta forma, que se encontrem em juízo os titulares da relação material controvertida, para que as decisões tomadas pelo tribunal tenham um sentido útil.

Inicialmente, segundo a teoria clássica francesa, o processo administrativo era essencialmente um processo que girava em torno do acto administrativo, no qual nem os particulares nem a administração eram consideradas partes da relação processual e apenas se encontravam em juízo para colaborar com o tribunal na defesa da legalidade das decisões e do interesse público.

Assim sendo, o particular não podia fazer valer direitos subjectivos perante a administração pública o que, por sua vez, se traduzia na insusceptibilidade de ser considerado como parte no processo. Era encarado, no entender de ERICHSEN-MARTENS, como um mero “objecto do poder soberano”, que não se encontrava no litígio para proteger os seus próprios direitos mas apenas com o intuito de ajudar a defender a legalidade e o interesse publico, de forma gratuita.

Por sua vez, a doutrina tradicional também negava o estatuto de parte a administração, que ocupava no processo a posição de autoridade recorrida, e era movida pelos mesmos fundamentos que o particular, isto é, ajudar a defender a legalidade e o interesse público no processo.

O ponto de viragem deu-se com a Constituição de 1976 que impôs o “tratamento do individuo como sujeito nas relações administrativas (…) e a sua consideração como parte no contencioso administrativo” e pela reforma de 1984 e 1985 que também muito contribuiu para que o contencioso administrativo passa-se a ser um processo de partes.

A Constituição de 1976 passou a integrar o contencioso administrativo no poder judicial, eliminando-se, desta forma, a promiscuidade existente entre a administração e a justiça, que vinha justificando a negação da qualidade de partes as autoridades administrativas.

Num processo administrativo completamente jurisdicionalizado e de natureza subjectiva, a administração e o particular são partes que, perante o juiz, defendem as suas posições, alegando a lesão de um direito e, subsequentemente, a defesa da legalidade e do interesse público.

O actual Código de Processo Administrativo (doravante designado CPTA) afastou o modelo objectivista do processo acto, estabelecendo uma efectiva igualdade entre as partes no processo, no exercício de faculdades e no uso de meios de defesa, como no plano de aplicação de cominações ou de sanções processuais (cfr. Artigo 6.º do CPTA).

O artigo 9.º, nº1 parte final do CPTA, referente a legitimidade activa, dispõe que é considerada como parte legítima aquele que alegue ser parte da relação material controvertida. Isto é, aquele que alegue que a titularidade de direitos subjectivos ou de relações substantivas de vantagem no âmbito da relação jurídica administrativa. Na prática, basta-lhe a alegação plausível da titularidade da posição jurídica subjectiva, uma vez que, saber se é ou não, de facto, titular do direito, é a questão de fundo do processo.

Em relação à legitimidade passiva, rege o artigo 10.º do CPTA. Aqui, releva também o critério da relação material controvertida e consideram-se como partes legitímas as entidades públicas, os indivíduos ou as pessoas colectivas privadas sujeitos aos deveres e às obrigações equivalentes aos direitos subjectivos alegados pelo autor.

Para eliminar por completo a ideia de que a administração figura no contencioso administrativos como parte recorrida, o artigo 10.º do CPTA acrescenta que, nas acções relativas a actos administrativos ou a omissões administrativas, a parte passiva é a pessoa colectiva de direito público ou, tratando-se do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico que se pretende impugnar, ou sobre os órgãos sobre os quais recaia o dever de praticar o acto jurídico ou de observar os comportamentos requeridos – isto é, deve separar-se o ministério como sendo o verdadeiro titular da legitimidade passiva na relação material controvertida, independentemente de estar em causa uma actuação por parte dos órgãos dele directamente anexos ou não (cfr. Artigo 10.º, nº2 do CPTA).

Finalmente, cabe referir que o legislador, ciente da necessidade de fazer dos intervenientes das relações multilaterais também sujeitos no contencioso administrativo, abriu o processo aos mesmos, permitindo-se desta forma que intervenham para a protecção conjunta dos respectivos direitos - cfr. Artigo 12.º (coligação), artigo 48.º (processos em massa) e artigo 57.º (contra-interessados).



Roxana Pontes, 16851

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