segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Contencioso Administrativo na Dinamarca

Apesar de ser uma monarquia constitucional de tipo continental, não existem tribunais administrativos na Dinamarca, sendo as decisões das entidades administrativas sindicáveis nos tribunais comuns.
Apesar de terem como monarca a rainha Margarida II desde 1972, nascida em 1940, só em 1953 a lei foi alterada para permitir que uma mulher ascendesse ao trono. A única outra mulher governante, Margarida I, foi regente entre 1387 e 1412, pois a lei dinamarquesa contemporânea não lhe permitiu ter o título formal de rainha, intitulava-se “Margarida, pela graça de Deus, filha do Rei Valdemar".
Apesar de a rainha assinar a legislação aprovada pelo parlamento, apenas entra em vigor depois de referenda ministerial e publicação. Ainda hoje a constituição se refere a um rei e não a um monarca, espelhando assim que o direito de sucessão das mulheres se mantém secundarizado.
A própria expressão que designa a constituição demonstra a perspectiva deste povo. Grundloven pode ser traduzido como a lei fundamental, mas a tradução literal é a lei-base ou a lei-chão, dando uma ideia de base e de fundamento em vez de cobertura ou topo de pirâmide, sendo a constituição vista como alicerce de toda a lei.
O reino da Dinamarca é composto pela Dinamarca, pela Gronelândia e pelas Ilhas Faroe sendo que existe um sistema judicial para cada uma das nações mantendo-se um sistema de recursos para o supremo tribunal dinamarquês (Højestret).
A Constituição do Reino da Dinamarca (Danmarks Riges Grundlov) baseia-se na separação de poderes clássica. O poder legislativo é exercido pelo monarca e pelo parlamento (Folketinget), o poder judicial pelos tribunais e o poder executivo também pelo monarca, pelo governo (Regering) e pela administração pública.
A imagem da separação de poderes tradicional foi pulverizada há muito tempo uma vez que surgiram novos organismos como expressão do estado social dinamarquês paradigma mundial do estado de bem-estar e de protecção dos mais fracos da sociedade. Estes organismos não podem ser incluídos na estrutura administrativa tradicional. As Juntas, Câmaras e os Conselhos têm como características comuns serem órgãos colegiais e de serem independentes do governo, parlamento ou municípios.
A constituição dinamarquesa refere ainda a figura do provedor parlamentar (Folketingets Ombudsman) que se submete ao parlamento apesar da sua função ser mais judicial que legislativa, tendo jurisdição, no sentido etimológico da palavra, sobre toda a administração, mas não sobre os tribunais ou sobre o próprio parlamento. É um jurista eleito pelo parlamento para investigar reclamações sobre as decisões ou inacção das autoridades administrativas estatais, comunais ou outras autoridades públicas, o tratamento dos particulares e das suas reclamações. Este provedor pode criticar e fazer recomendações às autoridades para modificarem as suas decisões e comunicar ao parlamento a descoberta de deficiências na feitura de regulamentos e/ou na sua aplicação. O provedor parlamentar também pode investigar por sua iniciativa, especialmente sobre notícias dos meios de comunicação e frequentemente faz inspecções a estabelecimentos prisionais, hospitais psiquiátricos e, de modo geral, a todas as instituições onde os particulares possam estar, mais ou menos, contra a sua vontade.
Na prática o provedor denuncia ainda os atropelos à lei nos meios de comunicação, pelo que o resultado do seu trabalho de pressão junto do parlamento é multiplicado pela pressão da opinião pública por sua vez criada pelo próprio provedor.
Esta instituição foi criada em 1955, baseando-se no modelo sueco. O provedor é designado pelo parlamento após cada eleição legislativa e pode ser demitido caso perca a confiança do parlamento. O que acontece normalmente é que o provedor é reeleito se assim o desejar. Houveram apenas 4 provedores desde 1955 e o actual ocupa o cargo há mais de 20 anos. Em matéria orçamental, os gastos desta provedoria são incluídos nos do parlamento mas o provedor tem o poder de escolher o seu próprio gabinete.
Qualquer pessoa pode apresentar uma reclamação ao provedor parlamentar que decidirá se deverá ou não prosseguir uma investigação e verificar se o reclamante utilizou os meus graciosos em primeiro lugar, já que é uma limitação ao poder de reclamação junto do provedor parlamentar. A avaliação feita pelo provedor baseia-se na lei e na verificação da observância, por parte da administração, das regras de boa conduta administrativa. A avaliação considera tanto o conteúdo das decisões como o próprio procedimento seguido. O provedor tem plenos poderes para obter informação, mas os seus pareceres não são vinculativos.

Alguns destes orgãos, juntas, conselhos e câmaras, são chamados a decidir disputas entre os particulares e a administração e outros entre particulares. Alguns tomam decisões em primeira instância sob a forma de aprovação duma actividade ou produto e são denominados órgãos de aprovação. Outros funcionam como comissões executivas para unidades administrativas específicas e são denominados órgãos de administração e, finalmente, os órgãos consultivos de outras autoridades, normalmente chamados conselhos. As categorias destes organismos que recebem reclamações ou pedidos de aprovação subsumem-se à expressão inglesa “tribunal”.
Existem também organismos privados de resolução de litígios, aprovados pelas autoridades públicas e especialmente dirigidos a conflitos de consumo.
Nas últimas décadas notou-se um esforço para poupar as principais autoridades governamentais a terem que apreciar casos concretos que foram enviados para os “tribunals” ou órgãos decisórios administrativos.
Não há uma estatística global do número destes organismos administrativos, mas existem, pelo menos, 130 organismos diferentes, com carácter nacional, regional ou mesmo local. Um exemplo é a Afdækning og Hegn, que resolve disputas entre vizinhos relativas a cercas e vedações, existindo um em cada um dos 98 municípios.
Este facto deve ter sido em conta à luz da não existência de tribunais administrativos na Dinamarca. Alguns destes organismos de resolução de conflitos preenchem as funções de tribunais administrativos noutros países, mas mantêm o estatuto de autoridade administrativa embora com alguns poderes judiciais e sem as garantias de independência face ao governo de que gozam os tribunais.

É, no entanto, de notar, que as decisões destes órgãos podem ser sindicadas nos tribunais comuns de primeira instância, os chamados tribunais de cidade (Byret), existindo um para cada divisão territorial judicial (Retskreds) e ainda que o provedor parlamentar supervisiona e condiciona a actuação de toda a administração pública.
Um órgão que decida disputas entre particulares tem que ser criado por lei parlamentar, o que significa que cada órgão é criado segundo um estatuto próprio que regulará a própria tomada de decisão juntamente com os requisitos das regras administrativas tais como o princípio da legalidade e da proporcionalidade.
Ao contrário do que acontece no Reino Unido, a legislação dinamarquesa não contém regras gerais de procedimento que se apliquem a todos os órgãos administrativos. A regulamentação legal de cada um desses órgãos é preparada no ministério relevante, de acordo com diferentes tradições relativas ao estabelecimento, composição, procedimento e hierarquia administrativa, apesar de uma certa unidade legal emergir, devido ao facto da aplicação geral dos princípios administrativos e da supervisão pelos tribunais e pelo provedor parlamentar.
Um dos maiores organismos destes é a Ankestyrelsen traduzível por Junta de Recursos e que inclui os seguintes organismos:
Arbejdsmiljøklagenævnet – Conselho de Recursos sobre Saúde e Segurança no Trabalho
Ligebehandlingsnævnet – Junta da Igualdade de Tratamento.

Esta autoridade administrativa tem poderes jurisdicionais, é independente, logo sem constrangimentos por instruções ou opiniões de outras autoridades ou organismos na tomada de decisões em casos individuais. As suas principais funções são:

Decidir em última instância administrativa sobre reclamações relativas a legislação em assuntos sociais e emprego.

Salvaguardar a protecção legal dos cidadãos pela coordenação a nível nacional, assegurando que casos semelhantes são decididos de maneira semelhante, independentemente da situação geográfica do reclamante.

Comunicação de saberes (know-how) no desenvolvimento político de matérias sociais, como por exemplo análise e estatística.
Esta junta trata de casos de várias áreas de governação, tais como os assuntos sociais, o emprego, os refugiados, imigração e integração, fiscal, educação, entre outros.
Os casos apreciados podem ser divididos em dois grandes grupos. Os casos em que a junta é o órgão que conhece em primeira instância, nomeadamente casos relativos a acidentes industriais e os casos que a junta conhece em segunda instância de decisões tomadas, de acordo com a legislação laboral ou social, por juntas regionais nas diversas áreas de assistência social existentes na Dinamarca ou ainda casos em que a Junta tenha um interesse relevante, mormente em questões de princípio ou interesse público.
Além da tomada de decisão em reclamações, esta junta está encarregue de assegurar que as práticas nacionais se assemelham o mais possível, de maneira a que, onde existam condições semelhantes, as decisões e o tratamento dos cidadãos pelas autoridades locais e regionais, o sejam também.
A principal ferramenta é disseminação das decisões da Junta, que em casos de Principafgørelser ou princípio judicial são distribuídos como pareceres vinculativos para as autoridades administrativas que decidam nas esferas legais de matérias sociais e de emprego.

Estes orgãos gozam duma certa independência em relação à restante administração pública. A regra é que as suas decisões não são sindicáveis por órgão superior da administração pública a não ser que esteja expressamente previsto no regulamento de cada desses organismos, havendo, no entanto, grande número de disposições estatutárias, que, em relação a um órgão específico, estipulam que se pode recorrer das decisões para outro órgão administrativo.

Em conclusão, pode-se afirmar que os cidadãos dinamarqueses podem recorrer de decisões de órgãos administrativos para os órgãos de recurso e deles para os tribunais comuns.
Das decisões dos órgãos administrativos de recurso pode-se recorrer ao provedor parlamentar ou para os tribunais. No caso do cidadão recorrer aos tribunais não poderá já reclamar junto do provedor parlamentar. Se reclamar junto do provedor parlamentar, poderá sempre recorrer da decisão original para os tribunais, mas não da decisão do provedor.
O número destes “tribunals” está em constante crescimento e as suas competências em permanente expansão e a impressão pública é a de que estes órgãos preenchem o papel dos tribunais administrativos continentais o que torna algo confusa a decisão que os cidadãos e os seus representantes têm que tomar para reivindicar as suas pretensões e para terem uma visão global das suas possibilidades de reclamação.
Luís Filipe Rodrigues
Aluno 17633

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