sábado, 18 de dezembro de 2010

Administração: uma parte no processo, ou parte suprema?

Administração: uma parte no processo, ou parte suprema?
O exemplo do art.º 45 CPTA

Verificam-se situações em que realmente a Administração não pode ser considerada como mera parte no processo, sendo antes, uma parte com vantagens e supremacia em relação às outras partes. Pergunta-se: como compatibilizar as prerrogativas da Administração, em nome do interesse público, com a igualdade das partes, plasmado no art.º 6º CPTA, que necessariamente deve decorrer do princípio geral da igualdade?
Se o Contencioso Administrativo fez uma viragem para uma vertente subjectivista, que poderíamos considerar subjacente aos n.ºs 4 e 5 do art.º 268 da CRP, tentando garantir a efectiva tutela dos direitos dos particulares face à Administração, como entender que, em face de um direito reconhecido, se venha a denegá-lo, submerso no mar do interesse público?
Assim, como dizer que há uma completa viragem, desde o contencioso de mera legalidade, centrado no acto administrativo definitivo e executório, até à tutela plena dos direitos dos particulares?
Mais - como dizer que há efectivamente a defesa da legalidade, numa perspectiva igualitária, quando se considera o caso de um acto anulável, cuja anulação foi requerida ao Tribunal, por parte com legitimidade para tal, e o Tribunal julga improcedente a acção, em prol do interesse público?
É o caso previsto, por exemplo, no art.º 45º CPTA: o Tribunal pode verificar que um acto deveria ser anulado, mas não o anula, pelo facto de causar excepcional prejuízo ao Estado. Se por um lado se compreende que o prejuízo causado ao Estado é, em última medida, causado a todos os cidadãos, por outro lado, poderemos estar em presença de um mecanismo que permite a fraude à lei. Vejamos um exemplo: a Administração celebra, por algum motivo, um contrato para aquisição de serviços através de ajuste directo, que poderá não ser a melhor escolha do ponto de vista do interesse público, podendo, enquanto o faz, lesar direitos de particulares; além disso, acrescentemos a hipótese desta celebração ser feita ilegalmente, i.e., não respeitando os requisitos para a escolha do ajuste directo. Se a posteriori o Tribunal não o anula, poderemos dizer então que a última palavra cabe no fundo à Administração, que poderá praticar actos ilegais, que lesam interesses de particulares, e que esses actos se manterão na ordem jurídica, em nome do interesse público… e o interesse público na manutenção da “legalidade material” (e não formal, visto que, neste caso, existem normas que assim o permitem) e na boa administração da justiça?
A sentença proferida na sequência de um pedido deve tutelar os direitos subjectivos (no seu sentido amplo), defender a legalidade e o interesse público na boa administração da justiça. No exemplo atrás referido, parece difícil dizer que esses objectivos foram cumpridos – parecem, ao invés, ter sucumbido em face do interesse público.
O art.º 45º do CPTA - bem como outros já apontados em comentário anterior, como o art.º 120º e o 73/2 do mesmo código, parecem não ser totalmente consistentes com a defesa dos direitos dos particulares, e o caminho que traçam merecerá ser alvo de crítica.
Assim, como se pode ler no Ac. TCAN, proferido no processo 01070/04.1BEBRG:
O “(…) art.º 45º do CPTA, o qual, como apontado já no aludido requerimento da recorrente de 13/07/2005, é um preceito ferido de inconstitucionalidade; (…) E isto porque viola não só o princípio constitucional da separação de poderes, estabelecidos no art.º 111 da CRP; (…) Mas também os princípios processuais da estabilidade da instância, do pedido e da conformação do pedido com a decisão de mérito arts. 268º, 272º, 273, 660, n.º 2 e 661º n.º 1 do CPC, constitucionalizados pelo art. 20º da dita CRP – Cfr. Dr. Vasco Pereira da Silva e Prof. Dr. José Lebre de Freitas, in texto da alegação e notas de rodapé (…)”.
De facto, a norma permite que os Tribunais possam desconsiderar o que está cominado na lei com a sanção da anulabilidade. E mais permite – indirectamente, permite que a Administração faça o mesmo, como no exemplo atrás exposto, ao que nos parece, em violação do princípio de separação de poderes consagrado no art.º 111º da CRP. Assim, em vez de termos um sistema em que directamente julgar era administrar, indirectamente, consegue-se o mesmo resultado.
Pelo que, deste ponto de vista, a constitucionalidade do art.º 45º do CPTA poderá (ou deverá…) ser sindicável junto dos tribunais que a aplicam a um caso concreto, através do mecanismo da fiscalização concreta, nos termos do art.º 204 da CRP.
A reforma do contencioso administrativo que, segundo o Prof. Dr. Vasco Pereira da Silva, foi no sentido da europeização e constitucionalização do Processo Administrativo, parece ainda não ter colmatado todas as deficiências do sistema.
Se se continuar a permitir que em nome do interesse público se convalidem de certo modo actos ilegais, a Administração não será obrigada a caminhar para a auto-responsabilização que seria desejável. De facto, haveria porventura outros mecanismos para atingir o mesmo fim de salvaguarda do interesse público, como seja o mecanismo previsto no art.º 6º do Regime da Responsabilidade Civil extracontratual do Estado e Demais entidades Públicas, i.e., o direito de regresso do Estado contra funcionários. O interesse público é antes de mais, garantir que o Estado não cometa actos ilegais, ainda mais quando lesivos do erário público (como no caso da celebração de contratos usando o procedimento de ajuste directo, fora dos casos permitidos por lei). A ratio subjacente à restritividade com que é admitido este procedimento é precisamente a de garantir o respeito pela concorrência, igualdade e transparência, de que o concurso público dá mais garantias. E não só garante melhor os interesses de particulares que porventura queiram aceder ao concurso, mas também dará maior garantia de conseguir um melhor negócio para o Estado.
O que se pretende com este exemplo é salientar o facto de não ser só o concorrente o lesado – o Estado também - pelo que, indirectamente, também todos os cidadãos.
Nas palavras do Prof. Dr. Vasco Pereira da Silva, “(…) A “dependência da realidade” do Contencioso Administrativo obriga, assim, a prestar uma atenção redobrada à prática, para apreciar o modo como a reforma vai ser interpretada e aplicada pelos “sujeitos” da Justiça Administrativa – magistrados, advogados, juízes, professores universitários, mas também administrações públicas e privados lesados ou simplesmente interessados. Se a nossa época jurídico-administrativa pode ser caracterizada como a “idade das reformas” (Cassese), as quais podem e devem ser apreciadas em razão da bondade e da coerência das opções tomadas pelo legislador (nacional, mas também europeu), todavia, a respectiva eficácia fica grandemente dependente dependente dos operadores jurídicos, que são quem – em última análise – “criam o direito” na sua aplicação”. In Silva, Vasco Pereira da, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, 2ª ed. Almedina, 2009.
Neste sentido, pergunto-me acerca da bondade da decisão a que se chega – de forma legal, diga-se – quando o juiz declara improcedente o pedido de anulação de um acto anulável, sem que haja qualquer obstáculo a isso, sem ser o interesse público.
Não se quer com isto dizer que o interesse público não deverá pesar na balança, mas que o próprio conceito de interesse público não se deverá limitar a prejuízos eventualmente de ordem meramente económica; A consideração deste conceito como tal (de forme redutora) poderá levar à preterição do interesse público, em nome do… interesse público ele mesmo. Assim, como atrás se disse, existe um interesse público na boa administração da justiça, na auto-responsabilização da Administração e seus funcionários, que deverá estar sempre presente num Estado de Direito. Eventualmente, “moralizando o sistema”, garantir-se-á um melhor “interesse público”.
A aluna,
Isilda Cunha
N.º 17623

1 comentário:

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