segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Os actos nulos e a caducidade do direito de acção cautelar

A propósito da decisão referida no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo referente ao processo 01032/2 de 17-07-2002, a qual declara intempestivo o procedimento cautelar referente à suspensão da eficácia de acto nulo, cabe reflectir sobre a questão da caducidade do direito de acção cautelar no que respeita a este tipo de actos.

Argumentou o colectivo de juízes que proferiu o acórdão que, à luz do n.º 3 do art.º 79.º da já revogada LPTA, uma vez obtida a suspensão da eficácia de acto nulo, o autor não sentiria necessidade de interpor recurso de declaração de nulidade do acto, visto que a mesma se tornaria desnecessária.

Assim, entendeu que a regra geral referente aos recursos dos actos meramente anuláveis constante do artigo supra indicado deveria ser analogicamente estendida aos actos nulos, prevendo, assim, um prazo de dois meses a contar da respectiva notificação ou publicação do acto para poder agir judicialmente.

Efectivamente do texto do artigo retiramos que a suspensão de eficácia de um acto pedida ao tribunal competente para o recurso, previamente à interposição do mesmo, caduca com o termo do prazo concedido ao interessado para o recurso de actos anuláveis, sem a respectiva interposição. No entanto, esta interpretação extensiva parece ser inaceitável, tendo em conta o regime geral dos actos nulos constante no art.º 134.º do CPA.

Afinal, a caracterização deste tipo de actos é claríssima no que respeita ao prazo de arguição da sua nulidade, já que no n.º 2 do mesmo artigo, é referido que a nulidade é invocável a todo o tempo, por qualquer interessado. Ou seja, qualquer pessoa cuja situação jurídica possa ser afectada pela nulidade do acto, poderá argui-la sem ter que respeitar qualquer prazo.

Na opinião de Miguel Prata Roque, “os actos administrativos nulos nunca chegarão a produzir efeitos, devendo estes ser retroactivamente destruídos, após o trânsito em julgado da decisão que declara a sua nulidade. Ora em virtude desta destruição retroactiva de efeitos,não se justifica que aqueles actos possam continuar a produzir efeitos jurídicos após a sua impugnação judicial, sob pena da demora processual não permitir – a final – a destruição plena dos seus efeitos”.(1) Para que se verifique este efeito, não pode haver entraves à impugnação deste tipo de actos, muito menos à suspensão da sua eficácia, desde que tal se mostre adequado a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo (art.º 112.º n.º1).

Mais, o art.º 58.º do CPTA, é peremptório na afirmação de que “a impugnação de actos nulos ou inexistentes não está sujeita a prazo”, pelo que subsumir o seu regime ao regime dos actos anuláveis seria concluir qualquer coisa como “quem pode o menos, pode o mais”, o que é descabido de qualquer sentido.

É verdade que com a entrada em vigor do CPTA, esta questão que poderia levantar dúvidas – sobretudo se tivermos em conta a interpretação que era feita por alguma jurisprudência – ganhou outros contornos, mais claros e mais próximos do disposto no art.º 58.º.

Posição diferente da expressa no Acórdão antes referido, foi publicada no Acórdão do Tribunal Administrativo Sul de 25-01-2007 referente ao processo 92199/06, o qual refere: “em face do que dispõe o n.º 2, do art.º 123.º do CPTA, que se transcreve "quando a tutela dos interesses a que a providência cautelar se destina seja assegurada, por via contenciosa não sujeita a prazo, deve o requerente, para efeitos da al. a) do número anterior, usar essa via no prazo de três meses contado desde o trânsito em julgado da decisão”, significa, para nós, que deixa de fazer sentido a jurisprudência então vigente ao tempo do recurso contencioso de anulação e agora também aplicada em alguns Tribunais Superiores, aos processos regulados pelo Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que entende que a tutela cautelar sempre tem de ser usada em juízo dentro de três meses, sob pena de, por essa via, não se consagrando a obrigação de vir a juízo no processo principal dentro de qualquer prazo, ficarem paralisados, para sempre, os efeitos jurídicos do acto administrativo, sem uma pronúncia de mérito sobre a sua ilegalidade.”

A minha opinião vai no sentido do segundo acórdão, já que, na minha interpretação, o prazo de três meses aplica-se, não ao direito de pedir a suspensão da eficácia do acto nulo por meio de providência cautelar, ao abrigo do art.º 112.º n.º 2, alínea a), que como vimos pode ser pedida a todo o tempo, mas sim ao uso do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adopção de providência cautelar se destinou, nos termos do art.º 123.º n.º 1, alínea a), que define os casos de caducidade das providências cautelares.

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo: 01032/02 de 17-07-2002

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo: 02199/06 de 25-01-2007


(1) MIGUEL PRATA ROQUE, “Reflexões sobre a Reforma da Tutela Cautelar Administrativa”, 2005,Almedina, Pág.102

Nádia Dias dos Santos
N.º 17641

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