quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Tarefa: Legitimidade

1- Aprecie o modo como a legitimidade é tratada no âmbito do presente Código e como o era no passado. Quais as semelhanças e diferenças?

A legitimidade é um pressuposto processual que se encontra regula no Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante denominado por CPTA) nos artigos 9º e 55º (legitimidade activa – entidade que tem o direito potestativo de colocar a acção) e 10º (legalidade passiva – entidade contra quem é formulado o pedido ou que seja prejudicado pela sua procedência).

Segundo o Professor Vasco Pereira da Silva, a lógica tradicional defendida pelo modelo francês, anterior ao século XVIII, acerca deste pressuposto assentava na ideia de que nem o particular, nem a Administração eram partes substantivas, não gozavam de meios de defesa próprios, considerando-se numa perspectiva objectiva da justiça administrativa que particular e Administração teriam interesses próximos, apenas estavam em juízo para auxiliar o tribunal, pelo que todos eram interessados e tinham o dever de colaborar na descoberta da verdade, na defesa da legalidade e do interesse público. O particular era assim objecto do poder soberano não lhe sendo reconhecidos quaisquer direitos subjectivos perante a Administração. Quanto à Administração também tinha uma tarefa de auxiliar da justiça, acentuando-se a promiscuidade entre estes dois poderes, que só desaparece , em Portugal, em 1976 com a inclusão do contencioso administrativo no Poder Judicial.

Com o advento do século XVIII esta lógica foi restringida, passando a aceitar-se como partes legitimas aqueles que, por um lado, tinham um interesse pessoal e legítimo, semelhante ao direito subjectivo constante deste pressuposto no processo civil, sendo o interesse um sucedâneo do direito subjectivo. Por outro lado, aqueles que defendem a legalidade e o interesse público, ou seja, a Administração.

Assim, actualmente, e principalmente após a reforma de 1984/85, no novo CPTA o critério da legitimidade depende da alegação de um direito ou posição jurídica da vantagem, ou seja, há uma relação material controvertida assente numa lógica de processo de partes. O acesso ao processo é assim determinado pela posição substantiva de vantagem na relação material controvertida, consubstanciado pelo princípio da igualdade efectiva da participação processual (6º CPTA).

Segundo o Professor Vieira de Andrade só é parte legítima quem tem utilidade numa decisão/sentença, tendo por isso que alegar ser parte na relação jurídica controvertida em função da titularidade de um direito ou interesse legalmente protegido.

Não obstante e lei admite a acção popular, ou seja, a legitimidade de qualquer cidadão, autarquias locais, MP, associações ou fundações para promoverem judicialmente a defesa de determinados valores e bens com tutela constitucional assim como a saúde, o ambiente, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e bens do Estado, regiões e regiões autónomas.

É possível também na acção administrativa especial, quando está em causa a prática ou omissão de acto administrativo impugnável ou de uma norma, basta a existência de interesse directo e pessoal na invalidação do acto ou norma, dispensando-se, na acção popular local, o interesse pessoal, bastando a mera pertinência à respectiva comunidade.

É, ainda, reconhecida a legitimidade a terceiros, por serem concorrentes no concurso de formação de um contrato ou beneficiários de obrigações aí estipuladas, no tocante a acções de validade e execução dos mesmos.

Verifica-se uma alteração de paradigma passando o CPTA a funcionar de forma semelhante ao Código de Processo Civil (doravante denomina por CPC)e ao Código de Processo Penal (doravante denomina por CPP) .

No entanto, para o Professor Vasco Pereira da Silva, a adopção do mecanismo do CPC, nomeadamente no que concerne à legitimidade passiva (10º CPTA) é errónea dado que o Direito Civil é pautado pelo princípio da autonomia da vontade ao passo que o Direito Administrativo tem como princípio fundamental a legalidade. Há também várias realidades específicas no Direito Administrativo, nomeadamente a multiplicidade de pessoas colectivas que compõem o Estado, não podendo ser este o demandado, mas sim o órgão da pessoa colectiva que actuou. Apesar de a regra estar pouco clara no nosso código, uma vez que há muitas excepções, é o órgão que deve ser chamado a juízo (10/2), devendo a personalidade colectiva ser desconsiderada, porque o interesse é de quem actuou, independentemente de ser em nome da pessoa colectiva é o órgão que toma as decisões. Porém, a regra geral do 10/1 é aberta permitindo o chamamento de um ou de outro à demanda.

Para o Professor Vasco Pereira da Silva um dos principais problemas da legitimidade, encontra-se do lado activo, residindo no modo de construção da relação material controvertida ou das posições subjectivas de vantagem que pode ocorrer de duas formas diferentes como analisaremos de seguida.

2- Quais as vantagens e inconvenientes de adoptar uma teoria unificada de direitos subjectivos públicos ou de adoptar antes um entendimento tripartido (direitos subjectivos, interesses legítimos e interesses difusos)?

Segundo o Professor Vasco Pereira da Silva os particulares têm uma tutela efectiva dos seus direitos consagrada no 268/4 da Constituição da República Portuguesa (doravante denominado por CRP), representando este artigo a base do processo administrativo. Para garantir este acesso à justiça o processo administrativo faz corresponder a cada direito do particular um adequado meio de defesa, havendo assim diferentes meios processuais no nosso CPTA.

Porém, segundo a doutrina tradicional para aceder ao processo, como já foi dito, o particular necessitava ter um interesse directo, pessoal e legítimo, ou seja, um interesse “substancializado” que o particular faria valer em juízo. Esta concepção está na base da construção da relação jurídica substantiva como interesse legítimo (origem italiana) e interesse difuso, como realidades que não são direitos subjectivos.

Assim, podemos dizer que construção da relação material controvertida ou das posições subjectivas de vantagem que pode ocorrer de duas formas diferentes. De acordo com a posição tradicional sufragada pelos Professores Marcelo Caetano, Freitas do Amaral, Vieira de Andrade entre outros o processo visa tutela direitos subjectivos, interesses legítimos e difusos. Para o professor Vasco Pereira da Silva a protecção consagrada pelo artigo 268/4 da CRP é uma protecção total, abrangendo todos os direitos subjectivos públicos.

Para este autor, o CPTA consagra a sua posição, na medida em que determina que a legitimidade decorre da alegação da posição de parte na relação material controvertida (9º), ou seja, o autor (parte activa) que alegar a titularidade de direitos subjectivos.

Assim, defende que já não se justifica a distinção tripartida, porque de acordo com os cânones liberais, quando a Administração Agressiva intervinha estabelecendo relações de poder para com os administrados, estes não gozavam de direitos, apenas de interesses similares ou opostos aos da Administração. Esses interesses acabaram por levar à teorização do interesse legítimo e difuso (direitos de 2ª e 3ª categoria) para os distinguir dos direitos subjectivos (1ª categoria), o que na concepção do professor Vasco Pereira da Silva já não faz sentido distinguir num Estado de Direito, porque este garante a defesa de todas as posições de vantagem dos privados, devendo estas ser entendidas como direitos subjectivos em sentido amplo.

Nesta medida consagra-se um tratamento unitário de todas as posições jurídicas, dado que entre os conceitos supracitados não existe uma diferença de natureza, são todos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente, apenas diferindo no seu conteúdo.

Outro argumento a favor desta teoria prende-se com o facto do modelo italiano, responsável pela distinção direitos subjectivos/interesses legítimos e difusos ter abolido com a dicotomia após a reforma de 2000, dada a escassa relevância da distinção em termos materiais, acabando por gerar apenas inúmeras questões interpretativas.

Nesta perspectiva, a posição tripartida é criticada porque a distinção entre os três conceitos é apenas formal, havendo diferentes técnicas jurídicas de atribuição de posições de vantagem que no fundo conduzem a resultados idênticos. Para este autor, quer os interesses legítimos quer os difusos são direitos subjectivos que carecem de protecção por parte da Administração Pública, dado que:

- o direito subjectivo decorre de uma norma jurídica que expressamente o qualifica como tal e que consubstancia um aposição do particular de vantagem, por exemplo o funcionário público tem direito à sua remuneração;

- o interesse legítimo é um dever jurídico da administração em realizar algo a favor do administrado, por exemplo a ouvir o particular no âmbito de um concurso público, que é no fundo um direito subjectivo que o particular tem;

- o interesse difuso é um bem insusceptível de apropriação, porém a CRP dá a cada particular o direito de aproveitá-lo individualmente, contraindo direitos e obrigações nesse aproveitamento, pelo que continua a ser um direito subjectivo que a todos assiste.

Assim, em qualquer das três situações estamos perante posições substantivas de vantagem destinadas à satisfação de interesses individuais de idêntica natureza e que independentemente do conteúdo ou da técnica jurídica utilizada consubstanciam direitos subjectivos.

Bibliografia
• SILVA, Vasco Pereira da (2009); O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª edição; Almedina;
• AMARAL, Diogo Freitas do (2001); Curso de Direito Administrativo, volume II, 2ª edição; Almedina;
• ANDRADE, José Carlos Vieira de (2007); Justiça Administrativa, 9ª edição; Coimbra Editora;

Luciana Pires Ferreira
N.º 17632, Subturma 1

Sem comentários:

Enviar um comentário