sábado, 11 de dezembro de 2010

As posições jurídicas substantivas dos particulares

Em resposta à 4ª tarefa proposta

As garantias dos cidadãos de acesso aos tribunais contra a Administração, quando sejam titulares de direitos ou interesses legalmente protegidos, estão definidas na Constituição (artigo 268, nº 4 e 5, CRP).


“ É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas.”

“ Os cidadãos têm igualmente direito de impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesivas dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.”


Mas que direitos e interesses legalmente protegidos ?

Tradicionalmente e ainda defendida por grande parte da doutrina, a distinção entre direitos e interesses assenta numa tripartição: direitos subjectivos, interesses legítimos e interesses difusos, resquício de um período pautado pela indiferenciação entre as funções administrativa e jurisdicional. Esta divisão clássica caracteriza os direitos subjectivos como a protecção jurídica directa e imediata de um interesse, mediante a concessão de um acervo de poderes, faculdades e vinculações, destinados a assegurar a realização do interesse protegido e que inclui o recurso à tutela jurisdicional.

Já o interesse legítimo é um direito à legalidade de que poderá resultar (desde que o particular aja processualmente) a satisfação do interesse privado, existindo interesse legítimo desde que a utilidade que se pretende obter seja protegida pela ordem jurídica.

Quanto ao interesse difuso, não se trata de um interesse individual ou de uma relação específica com os bens ou interesses em causa. Respeitam a interesses de toda a comunidade, conferindo e reconhecendo aos cidadãos o direito de promover individual ou associadamente a uma defesa de tais interesses.

Já na perspectiva do professor Vieira de Andrade, há que distinguir, por um lado, interesses legalmente protegidos ou direitos subjectivos e, por outro, interesses simples ou de facto. No entender do professor, as posições jurídicas substantivas implicam “sempre uma intenção normativa de protecção efectiva de um bem jurídico próprio” de um determinado particular ou de um interesse público superior.

No que respeita aos interesses simples ou de facto estes apenas constituem vantagens, mas de natureza genérica para determinados particulares. São apenas interesses reflexos e que conferem legitimidade aos interessados caso estes invoquem um interesse directo e pessoal face a uma actuação administrativa. Desta forma, a distinção é feita entre entre direitos subjectivos que abarcam direitos transitivos ou de natureza obrigacional, aos quais correspondem deveres especiais (obrigações) da Administração; direitos intransitivos ou absolutos, direitos consagrados constitucionalmente; direitos potestativos, ou seja, poderes unilaterais de provocar a constituição, modificação ou extinção de relações jurídicas, isto é, a imposição de deveres ao sujeito passivo e, direitos limitados que não gozam de tutela plena , pois são “direitos enfraquecidos” e que por força da lei ou acto administrativo são susceptíveis de ser sacrificados em detrimento de actuações administrativa ou condicionada.

Os interesses legalmente protegidos são interesses que decorrem da Administração agir em conformidade com princípios gerais, nomeadamente, os princípios da Imparcialidade, Igualdade, Justiça, Proporcionalidade, Racionalidade, Boa Fé e Protecção da Confiança Legítima. A par destes, também os particulares podem ser titulares de interesses que respeitem a bens de domínio público - Interesses difusos – previstos na Constituição nos artigos 60º, 66º e 78º,respectivamente, mas que não deixam de ser direitos individualizados.

Por fim, os “interesses de baixa normatividade” ,que derivam de determinadas formas de regulação administrativa, tais como: directivas, recomendações, etc. e que assentam no fundamento de protecção da confiança legítima, mas que apenas atribuem uma indemnização pelo sacríficio.

Posição diferente tem o Professor Vasco Pereira da Silva no que concerne a esta divisão clássica. Considera o ilustre professor que não faz qualquer sentido manter tal divisão. Uma das razões invocadas prende-se com o facto de ser inaceitável à luz de um Estado de Direito, negar o reconhecimento do particular ser parte num processo contra a administração, quando o primeiro seja titular de qualquer direito na relação jurídica substantiva. (artigos 1º, 2, 18º, nº1, 212º, nº 3 e 268º, nº 4 e 5, todos da CRP).

Independentemente de se recorrer à divisão clássica entre direitos subjectivos, interesses legítimos e interesses difusos, estes não deixam de constituir posições jurídicas substantivas de vantagem. E para corroborar esta posição, o professor apela à “ Teoria da norma de Protecção” cuja ,
construção é da autoria de Bühler , tendo sido mais tarde reformulada por Bachof e adoptada pela doutrina alemã.
Esta teoria tem como premissa os direitos fundamentais de modo a conferir um maior alargamento no âmbito dos direitos subjectivos públicos , permitindo assim integrar os sujeitos das relações jurídicas multilaterais, típicas de uma Administração Infraestrutural, os denominados “terceiros”.
Embora, a ordem jurídica recorra a diferentes técnicas de atribuição de posições de vantagem, o resultado não difere. O particular pode ser titular de um direito subjectivo atribuído por norma jurídica, como o pode ser, nos casos em que à Administração são impostos deveres, tendo em conta o interesse dos sujeitos privados. O particular também não deixa de ser titular de um direito face à Administração, quando este tem a fruição individual de um bem que seja de todos, isto é, bens que respeitam ao domínio do Urbanismo, Ambiente entre outros tantos ou nos casos, em que as posições dos particulares estão protegidas constitucionalmente perante actuações da Administração, a qual é sujeita a deveres que permitam a concretização destes direitos.

Em suma, não parece ser razoável, nem aconselhável recorrer-se a tal divisão ( que grande parte da Doutrina ainda defende).A Reforma do Contencioso não relevou este tipo de distinção . Actualmente Contencioso Administrativo é um contencioso do tipo subjectivista que reconhece quer a Administração, quer os particulares como sujeitos processuais. São partes legítimas o autor, desde que invoque a titularidade de um direito na relação jurídica material e o demandado, se ao tipo de direito que é invocado corresponder um determinado dever (artigos 9º e 10ª, ambos do CPTA). Esta condição de procedibilidade é aferida com base no critério da relação material controvertida. Para além desta vertente sujectivista, está também contemplada no novo contencioso, a vertente de cariz objectivista que visa a defesa da legalidade e do interesse público o que legitima a instauração de acções públicas e populares .
Podemos concluir que estão reunidos fundamentos, inclusive o da reforma de 2000 não ter dado qualquer enfoque a esta divisão, mais que suficientes para dissuadir aqueles que ainda a seguem. E se dúvidas ainda subsistem, depressa serão dissipadas. Estes direitos, embora diferentes quanto ao seu conteúdo, não o são quanto à sua natureza. Estão somente em causa realidades acessórias, meramente instrumentais, pois apenas está em causa a sua qualificação jurídica.
Esta divisão era pertinente no contencioso de antigamente, pois era um mecanismo eficaz , usado astutamente pela Administração para subtrair à jurisdição administrativa, a maior parte das acções propostas pelos particulares.



Bibliografia
• SILVA, Vasco Pereira da (2009); O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª edição; Almedina;
• AMARAL, Diogo Freitas do (2001); Curso de Direito Administrativo, volume II, 2ª edição; Almedina;
• ANDRADE, José Carlos Vieira de (2007); Justiça Administrativa, 9ª edição; Coimbra Editora;

Carla Cruz
Aluna nº 17039

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