sábado, 18 de dezembro de 2010

Problema de legitimidade a mais?

O princípio basilar da actuação da Administração é o da prossecução do interesse público. É este o princípio motor da Administração pública[1].
A evolução do contencioso administrativo tem vindo a estabelecer uma cada vez maior subjectivização do processo, estabelecendo como critério principal de determinação de legitimidade activa o ser parte na relação material controvertida. Com a subjectivização do contencioso, o particular recorre ao contencioso administrativo para a prossecução do seu interesse particular.
Destas duas simples considerações é possível determinar o conflito de interesses entre o interesse público e privado em causa no contencioso administrativo.
É de acrescentar ainda o nº 2 do art.9º do CPTA que atribui legitimidade activa a “qualquer pessoa… tem legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos” elencando alguns dos valores constitucionalmente protegidos. No fundo, o interesse em causa não é um interesse particular mas pode ser um interesse difuso, comunitário, colectivo ou até interesses individuais homogéneos[2]. Este aspecto parece vir na linha da distinção constitucional entre "direitos e interesses legítimos" (art. 20º nº 1da CRP) ou entre "direitos e interesses legalmente protegidos" (art. 268º nº 5 da CRP).
No caso das acções populares a problemática deve centrar-se na tensão que pode surgir da confrontação do interesse público da actuação da administração e do interesse público invocado pelo particular no âmbito da acção popular.
Apresentam-se duas questões que se têm por pertinentes neste contexto de evolução do contencioso:
1 - Deve a impugnação judicial da actuação da Administração ceder no caso de se verificar que o resultado da sentença acarreta um custo superior ao benefício resultante da reposição do direito subjectivo?
2 - Devem os custos do recurso ao processo judicial de impugnação de uma actuação incluir o custo de oportunidade de o tribunal ser ocupado com uma questão que poderá não ter um efeito útil ou considerar a legitimidade de tal forma abrangente que permita a qualquer pessoa recorrer ao contencioso invocando uma interpretação abrangente dos princípios constitucionais a proteger pelas acções populares?
A resposta a estas questões depende da análise de duas problemáticas fundamentais, a questão de o interesse público poder prevalecer sobre o interesse particular e a segunda de saber se o alargamento da legitimidade pode colocar em causa o direito fundamental do acesso à justiça em tempo útil.
O princípio Constitucional da tutela jurisdicional  efectiva previsto no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa nas suas vertentes do acesso ao direito e aos tribunais e na sua vertente do direito a obter uma decisão judicial em prazo razoável deve ser o escopo de um Contencioso Administrativo orientado para a utilidade das decisões judiciais.

A questão da utilidade do processo e a utilidade da actuação da administração devem ser vectores chave para um Estado eficiente. O alargamento do objecto do processo e a subjectivizaçãoatribui ao particular prorrogativas que permitem ser utilizadas no sentido da colaboração ou da mera entropia do sistema de decisão e acção da Administração mas no limite poderão haver cerca de dez milhões de potenciais autores para cada situação. Para estabelecer este controlo de acesso de utilização da acção popular estabeleceu-se que esta poderia ter lugar no âmbito da defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos.
A legitimidade activa para o controlo do exercício da Administração tem de estar directamente relacionada com a ideia de justiça e de conveniência das actuações da própria Administração mas para que o processo seja adequado ao fim a que se destina e não se pode configurar como um mero expediente dilatório da actuação da Administração.
O CPTA criou as condições do alargamento do processo para garantir a possibilidade de os particulares obterem uma verdadeira e efectiva garantia dos seus direitos violados pela Administração bem como, da possibilidade de os particulares recorrerem à justiça não no âmbito de um interesse próprio mas num interesse geral da comunidade, mas cabe especialmente à Jurisprudência a utilização do processo com o objectivo de que ele seja útil e um verdadeiro garante dos direitos violados pela Administração.
Neste âmbito, também a doutrina terá um papel relevante na concretização do modelo actualmente em vigor e no fornecimento de elementos que ajudem a utilizar de forma adequada os valiosos recursos que a recente reforma do contencioso administrativo acrescentou à nossa ordem jurídica.
Não podemos correr o risco de ter evoluído de um sistema arcaico do mero controlo da legalidade do acto para um sistema altamente garantístico que resulte num completo entupimento dos tribunais com acções sem a mínima utilidade. A chave deste equilíbrio está na legitimidade activa no e na sua definição pela utilidade da decisão.

Bibliografia:
 SILVA, Vasco Pereira da (2009); O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª edição; Almedina;
AMARAL, Diogo Freitas do (2001); Curso de Direito Administrativo, volume II, 2ª edição; Almedina;
 ANDRADE, José Carlos Vieira de (2007); Justiça Administrativa, 9ª edição; Coimbra Editora


[1] Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, p33
[2] Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 10ª edição, p177

Nuno Mira Rodrigues
ST1
Aluno N.º 17697

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