Consagrada no artigo 66º e seguintes do Código de Processo Administrativo, foi sem dúvida, uma das principais alterações do Contencioso Administrativo.
Até à reforma de 1997, a impugnação era o único meio de acesso à jurisdição administrativa permitida aos particulares.
Seguia-se o modelo francês de contencioso, em que a condenação da Administração era por excelência o recurso de anulação, limitada, contudo, às matérias de contratos e de responsabilidade.
Curiosamente, diria até subtilmente, perante uma “apatia” da Administração, havia ainda um mecanismo de pura ficção para se aceder aos tribunais administrativos. Ficcionava-se a existência de um acto administrativo, que neste caso era a presunção de um indeferimento a uma pretensão apresentada por um particular a órgão administrativo, e à qual não fosse obtida, no respectivo prazo, uma decisão final, para que ao particular fosse dada a possibilidade de exercer o meio legal de impugnação. Estava-se perante a figura do acto tácito de indeferimento, plasmado no artigo 109, nº 1 do CPA.
Esta solução “emaranhada”, era uma forma complexa de tutela dos interesses dos particulares.
Este modelo assentava no princípio da separação de poderes, onde a Administração era soberana face ao poder jurisdicional. Ao juiz era apenas permitido anular decisões, mas nunca determinar qualquer actuação àquela que no fundo era a face do Estado, e cuja actuação era indiscutível. Entendia-se que ao estar a dar ordens à Administração, era estar a administrar, o que violava o aludido princípio. Era a função jurisdicional a colidir com a função administrativa.
Hoje, perante um contencioso de plena jurisdição, esta ideia não faz qualquer sentido, pois o juiz ao estar a condenar a Administração à prática de um acto imposto por lei, correspondendo a um direito de um particular lesado, não está mais do que a julgar, o que cabe perfeitamente no âmbito da sua função.
É com a reforma de 1997, com forte inspiração alemã, bem como em consequência da Constituição de 1976, e demais revisões, que o contencioso administrativo, tal como nas palavras do Senhor Professor Vasco Pereira da Silva, após um “processo terapêutico” tanto se “sentou” no “divã da Constituição”, como no “divã da Europa” que surge a acção de condenação à prática de acto devido.
Não foi mais do que o assumir expressamente o princípio constitucional previsto no artigo 268, nº 4, ou seja, a possibilidade de “determinação da prática de actos legalmente devidos” enquanto tutela jurisdicional, acentuada pela natureza de direito fundamental assumida então como tal, o que por força do artigo 18, nº 1 da Constituição, se tornava, imediatamente aplicável.
Era a garantia de defesa dada ao particular, também numa perspectiva preventiva, pois era-lhe agora possível reagir face às omissões da Administração.
Com esta disposição legal, os interesses dos particulares ficam tutelados, estando em causa “um acto administrativo ilegalmente omitido ou recusado”, isto é, o objecto do processo tem assim intrinsecamente duas modalidades de acção, face aos dois pedidos principais: o de condenação na emissão de um acto administrativo que ainda que devido, não foi emitido; e a condenação a um acto de conteúdo favorável a um particular, em substituição de outro que anteriormente tenha sido praticado em sentido inverso.
Importa ainda referir que quanto ao objecto do processo, foi adoptada uma concepção ampla, contrariando o entendimento clássico. Na verdade, de acordo com a posição actual, o pedido engloba não só o pedido imediato (o efeito pretendido pelo autor), como também o pedido mediato (o direito subjectivo que se pretende tutelar com esse efeito), e ainda a causa de pedir, que não é mais do que a lesão provocada ao particular, e que acaba por ser o fundamento jurídico da acção que se venha a propor. É a prevalência do pedido mediado, sobre o imediato, é a concretização de que o objecto do processo recai sobre a pretensão do interessado, o que de alguma forma conduz à passagem para a nova lógica do “juízo sobre a relação administrativa”, ao invés do “juízo sobre o acto”.
Essa é uma realidade prevista no artigo 70º (alteração da instância) do CPA, em que o legislador entendeu que os poderes do juiz deveriam ir tão longe, quanto os direitos dos particulares o exigissem, no âmbito dessa relação jurídica administrativa. Com efeito, ele previu a possibilidade ao autor de integrar no objecto do processo pedidos não só de indeferimento (70º/1), mas também de deferimento parcial (70º/3), durante a pendência do processo. Isto leva a que o objecto do processo não se limite apenas a factos ou comportamentos anteriores à abertura do processo, mas deve também considerar os actos administrativos durante a instância, que possam ser na sua totalidade, ou parcialmente desfavoráveis, e que consequentemente venham a afectar os mesmos direitos, naquela mesma relação jurídica.
Concluindo, a condenação à prática de acto devido consiste, como tentei demonstrar, numa das principais manifestações da mudança de paradigma na lógica do Contencioso Administrativo.
Paloma Ferraz Abreu
Aluna nº 17644
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