sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Era uma vez a Legitimidade…

Em Portugal, o modelo processual de Justiça Administrativa que tínhamos nasceu do modelo Francês, um modelo Objectivista, pautado pelo seu Actocentrismo .
Nem o particular, nem a Administração eram vistos como Sujeitos Processuais. Tinham sim o dever de colaborar com o Tribunal, mas não gozavam de quaisquer direitos pois a legitimidade era aferida apenas com base no critério do interesse pessoal, directo e legítimo. Segundo o Prof. Dr. Freitas do Amaral, no seu livro “Direito Administrativo”– pessoal seria “quando a repercussão da anulação do acto recorrido se projectar na esfera jurídica do interessado”, directo “quando o beneficio resultante da anulação do acto recorrido tiver repercussão imediata no interessado”, legítimo “quando é protegido pela ordem jurídica como interesse do recorrente”.

Com a Constituição de 1976 e mais propriamente com a Reforma de 1985, esta Concepção Objectivista foi afastada e, devido ao Modelo Subjectivista que entretanto foi adoptado em Portugal, com a Reforma de 2002, as relações jurídicas entre os particulares e a Administração passam a ser reconhecidas e ambos passam a ser partes no processo – art.º 6º do CPTA. Veio também atender ao princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva dos direitos dos particulares (nº 4 do art. 268.º da CRP), que confere ao particular esse estatuto. O princípio da igualdade das partes tem dignidade constitucional (artigo 13º, nº 1 Constituição). O tribunal assegura um estatuto de igualdade efectiva das partes no processo, tanto no que se refere ao exercício de faculdades e ao uso de meios de defesa como no plano da aplicação de cominações ou de sanções processuais, designadamente por litigância de má fé (artigo 6º CPTA).

Esta reforma no processo contencioso determinou também que a legitimidade activa decorreria da alegação da posição de parte na relação material controvertida (parte final do nº 1 do art.º 9.º do CPTA). O autor é parte legítima sempre que alegue ser parte na relação material controvertida.
Já o art.º 10 do CPTA, regula a legitimidade passiva. Neste, releva também o critério da relação material controvertida e consideram-se como partes legitimas as entidades públicas, os indivíduos ou as pessoas colectivas privadas sujeitos aos deveres e às obrigações equivalentes aos direitos subjectivos alegados pelo autor. Para erradicar a ideia de que a administração continuava a aparecer no contencioso administrativo como parte recorrida, o n.º 2 do art. 10.º do CPTA complementa que, nas acções relativas a actos administrativos ou a omissões administrativas, a parte passiva é a pessoa colectiva de direito público ou, tratando-se do Estado, o Ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico que se pretende impugnar, ou sobre os órgãos sobre os quais recaia o dever de praticar o acto jurídico ou de observar os comportamentos requeridos.

Não deve deixar de ser referido que o Legislador visou permitir que os intervenientes das relações multilaterais, igualmente sujeitos no Contencioso Administrativo, interviessem para a protecção conjunta dos seus direitos ao abrigo dos artigos 57.º relativamente aos contra-interessados, que são «as pessoas a quem a procedência da acção possa prejudicar ou que tenham interesse na manutenção da situação contra a qual se insurge o autor, e que possam ser identificadas em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo» Trata-se de pessoas que são também partes no litígio, na exacta medida em que os seus interesses coincidem com os da Administração e podem ser afectados pela procedência da acção. Isto decorre do facto de as relações jurídicas administrativas poderem ser complexas e envolveram muitas vezes um conjunto alargado de pessoas ou entidades cujos interesses são afectados pela actuação da Administração (relações jurídicas multipolares), do art. 12º quanto à coligação e do art. 48º quanto aos processos em massa. A legitimidade das partes é um dos muitos Pressupostos Processuais existentes. Os pressupostos Processuais são as condições de que depende o exercício dos direitos e dos poderes no âmbito do processo, respeitando ao tribunal, aos sujeitos e ao processo. A preterição de qualquer dos pressupostos processuais, obsta ao prosseguimento do processo, nos termos previstos no artigo 89º do CPTA, determinando a absolvição da instância ou a remessa para outro tribunal. O CPTA não trata de cada um dos pressupostos processuais especificamente, limita-se a enunciar as regras específicas relativas à legitimidade processual, decorrendo os demais das normas constantes do ETAF ou do Código de Processo Civil. O tratamento autónomo da legitimidade processual no CPTA decorre das especificidades que o contencioso administrativo apresenta a diversos níveis.

Resumindo, o autor é parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida (Legitimidade Activa) Tem legitimidade passiva a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, as pessoas ou entidades titulares dos interesses contrapostos aos do autor.

Carla Almeida

Aluna n.º 17053

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