domingo, 12 de dezembro de 2010

INDEFERIMENTO TÁCITO / IMPUGNAÇÃO JUDICIAL / CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
CUMULAÇÃO DE CAUSAS DE PEDIR / FORMAS DE PROCESSO / INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL

Cumulando-se na petição inicial de impugnação várias causas de pedir e pedidos a que correspondem diversas formas de processo, e não sendo viável a convolação ao abrigo dos artºs 98º, nº 4 do CPPT e 97º, nº 3 da LGT, a petição deve ser liminarmente indeferida, pois não cabe ao juiz substituir-se ao interessado na escolha de uma das formas processuais adequadas, já que é este que deve escolher o meio de defesa que julgue mais conveniente.

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I. A…, melhor identificado nos autos, veio recorrer do despacho do Mm.º Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que rejeitou liminarmente a petição inicial de impugnação judicial que deduziu contra o despacho de indeferimento tácito do pedido de revisão efectuado ao abrigo do artº 78º da LGT, no Serviço de Finanças Amadora -2, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
A) - Entende a douta sentença ora recorrida ter ocorrido uma nulidade insanável no processo por ineptidão da petição inicial, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artº. 98.° do CPPT e alíneas b) e c), do n.° 2 do art. 193.° do C.P.C., determinando por isso o indeferimento liminar da petição inicial.
B) - Fundamentada no entendimento de que o pedido formulado pelo recorrente terá de se sustentar em razões relativas à ilegalidade ou em vícios dos actos de liquidação da obrigações tributárias.
C) - Porém, do articulado pelo recorrente em sede de impugnação judicial do acto de revisão de actos tributários constata-se que foram ali aduzidos os factos e as razões de direito que fundamentam o seu pedido, que se traduzem em razões de ilegalidade das liquidações efectuadas e em vícios verificados nos actos de liquidação das obrigações tributárias.
D) - Daqui resultando que a petição inicial, nesta parte, não sofre de qualquer vício e é claramente entendível.
E) - Dispõe a lei - artº. 19.° do CPPT - que o julgador tem a faculdade de mandar suprir as deficiências e irregularidades processuais, que não possam por si ser sanadas, de modo a que nenhuma questão que lhe seja cometida possa ficar sem uma decisão, como resulta do disposto no art. 13.° do CPPT.
F) - A afirmação de que os actos tributários cuja anulação foi requerida não serem susceptíveis de cumulação por inexistir identidade de tributos só pode conduzir ao convite ao recorrente para proceder à correcção dessa deficiência ou irregularidade, como dispõe o artº. 110°, n.º 2 do CPPT.
G) - A petição só é inepta, nos termos das alíneas invocadas do n.° 2 do artº. 193.° do CPC - als. b) e c) - quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir e quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
H) - Consistindo a causa de pedir os tributos e coimas pagas pelo recorrente, face à reversão ocorrida, não se verifica contradição porque se pede a revisão e anulação dos actos tributários que determinaram aquela reversão.
I) - Não ocorrendo igualmente cumulação de causas de pedir ou pedidos incompatíveis porque o que se pede é a anulação de actos tributários que reverteram para o recorrente a responsabilidade pelo pagamento de impostos, contribuições e coimas cujo devedor principal fora a sociedade de que o recorrente era sócio e gerente.
J) - Mas, a ocorrer, sempre se deveria ter determinado que essas insuficiências ou deficiências, se verificadas, fossem superadas!
L) - Optando pelo indeferimento da petição de impugnação denega-se a justiça pedida pelo recorrente e esquece-se o direito do recorrente a um processo orientado para a justiça material, ao arrepio dos princípios basilares do Estado de Direito e da Constituição.
M) - A sentença proferida violou o disposto nos artºs. 13.°, n.º 1, 19.°, 98°., 104°, 108° e 110, n.º 2, do CPPT, artº. 97º, n.º 3, da LGT e art. 193°, n.º 2, als. b) e c) do CPC, bem como do artº. 20.° da Constituição Portuguesa.
Neste termos e nos mais de Direito aplicável, e tendo em atenção as asserções atrás aduzidas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-se a mesma por outra que, acolhendo as razões do recorrente, ordene o prosseguimento dos autos, mandando suprir eventuais deficiências e irregularidades processuais, com as legais consequências, como aliás é de JUSTIÇA!


II. A Fazenda Publica não contra alegou.
III. O Exmº Magistrado do MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 109/110, no sentido de ser negado provimento ao presente recurso e sufragar o entendimento da decisão recorrida, sobre a impossibilidade de correcção da forma do processo, por haver diversos pedidos que são substancialmente incompatíveis, “…tornando impossível a cumulação de pedidos.”
IV. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


V. Defende o recorrente nas suas alegações que na petição de impugnação judicial do acto de revisão, aduziu factos e razões de direito que fundamentam o seu pedido e se traduzem em razões de ilegalidade das liquidações efectuadas e em vícios verificados nos actos de liquidação das obrigações tributárias. Assim, nesta parte e ao contrário do decidido, a petição não é inepta.
De qualquer forma, de acordo com o disposto no artº 19º do CPPT, o julgador tem a faculdade de mandar suprir as deficiências e irregularidades processuais que não possam ser por si sanadas.
A petição só seria inepta se o pedido estivesse em contradição com a causa de pedir ou se fossem cumulados substancialmente incompatíveis. Consistindo a causa de pedir os tributos e coimas pagas pelo recorrente, face à reversão ocorrida, não se verifica contradição porque se pede a revisão e anulação dos actos tributários que determinaram aquela reversão.
Não ocorrendo igualmente cumulação de causas de pedir ou pedidos incompatíveis porque o que se pede é a anulação de actos tributários que reverteram para o recorrente a responsabilidade pelo pagamento de impostos, contribuições e coimas cujo devedor principal fora a sociedade de que o recorrente era sócio e gerente.
Mas, a ocorrer, sempre se deveria ter determinado que essas insuficiências ou deficiências, se verificadas, fossem superadas.
Optando pelo indeferimento da petição de impugnação denega-se a justiça pedida pelo recorrente e esquece-se o direito do recorrente a um processo orientado para a justiça material, ao arrepio dos princípios basilares do Estado de Direito e da Constituição.
Diferente entendimento manifestou o MºPº no seu parecer de fls. 109/110, invocando a seguinte fundamentação:
De acordo com o disposto no artº 97º, nº 3 da LGT, o juiz ordenará a correcção do meio processual quando o adoptado pelo interessado não for o correcto.
Porém, essa convolação não deverá ser efectuada de forma absoluta, existindo por vezes obstáculos legais a essa convolação.
Um desses obstáculos é o da existência de invocação de direitos a que correspondam diferentes formas de processo, como é o caso dos autos, já que isso significaria a substituição do juiz na avaliação do grau de necessidade da tutela pretendida.
No caso dos autos, os pedidos são substancialmente incompatíveis, sendo que a cada um deles corresponde meio processual diverso, tornando impossível a cumulação de pedidos.

Vejamos então se o despacho recorrido deve ou não manter-se.
VI.1. Resulta dos nºs 1 a 3 da petição que a impugnação judicial é dirigida contra acto de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa efectuado ao abrigo do artº 78º da LGT.
Tal pedido de revisão, dirigido ao Serviço de Finanças da Amadora -2, foi formulado nos termos da cópia que consta de fls. 16/22 dos autos (doc. nº 3 junto com a petição).
O pedido final efectuado ao Serviço de Finanças é do seguinte teor:
“… deve o presente pedido de revisão, após autorização pelo dirigente máximo do serviço, ser admitido e julgado procedente por provado, anulando-se em consequência a matéria colectável e as liquidações dos tributos identificados no presente requerimento e bem assim os actos de reversão contra o ora requerente das execuções fiscais respeitantes aquelas liquidações, restituindo-se ao requerente todas as importâncias que o mesmo indevidamente pagou no âmbito das execuções, com os juros indemnizatórios de lei” Os tributos discriminados no articulado do pedido referem-se a:
a) Contribuições para a segurança Social respeitantes a vários meses dos anos de 1993 e 1994 (v. fls. 16, nº 3);
b) IVA e juros de mora dos anos de 1993 a 2001 (v. fls. 17 e 18);
c) Imposto de circulação de 1993 (2º semestre) e juros de mora (v. fls. 17)
d) coimas e despesas relativas a vários anos (v. fls. 17).
Ora, como bem se refere no despacho recorrido (fls. 73), “O pedido formulado nos autos de revisão dos actos tributários ou da revisão da matéria tributável apurada terá de se sustentar em razões relativas à ilegalidade ou em vícios dos actos de liquidação das obrigações tributárias.
Ora, o peticionante vem fundamentar aquele pedido de anulação de diversos actos tributários que não eram, de resto, susceptíveis de cumulação por inexistir identidade dos tributos controvertidos com base na prescrição das dívidas, na ilegitimidade do executado por reversão da execução, os quais sustentam causas de pedir substancialmente incompatíveis, de revisão do acto tributário com o pedido de anulação da decisão de reversão da execução fiscal…”
VI.2.Analisando a petição de impugnação verificamos que nele são invocadas diversas causas de pedir e pedidos a que correspondem diversas formas de processo, nomeadamente o de impugnação e o de oposição à execução fiscal.
Quer isto dizer que o recorrente cumulou no mesmo processo causas de pedir e pedidos a que correspondem a diferentes formas processuais, em violação do disposto no artº 104º do CPPT, segundo o qual na impugnação judicial podem, nos termos legais, cumular-se pedidos em caso de identidade da natureza dos tributos, dos fundamentos de facto e de direito invocados e do tribunal competente.
Ora, desde logo, não ocorre a identidade da natureza dos tributos e dos fundamentos de facto e de direito invocados.
Mas, por outro lado, não ocorre também o requisito da mesma forma processual que os artºs 31º, nº 1 e 470º, nº 1, ambos do CPC, subsidiariamente aplicável “ex vi” artº 2º, alínea e) do CPPT, exigem para a cumulação de pedidos.
E, embora os artºs 98º, nº 4 do CPPT e 97º, nº 3 da LGT determinem que o juiz deve mandar corrigir a forma para a que for legalmente adequada, isso nem seria possível no caso dos autos.
É que, ao contrário do que sucede quando existem várias causas de pedir mas o pedido é o mesmo e em que o juiz pode mandar seguir o meio processual adequado, no caso dos autos, não cabe ao juiz escolher qual das formas deve seguir o processo, pois como referem Leite de Campos e Lopes de Sousa – LGT Anotada - Almedina, 3º edição, pág. 502, estando em causa direitos ou interesses legalmente protegidos a que correspondam diferentes formas de processo, o juiz não pode substituir-se ao interessado na escolha do meio de defesa.
Com efeito, se no caso concreto o juiz mandasse seguir a forma de impugnação, ficariam excluídos os factos relativos à reversão ou vice-versa.
Por outro lado, se o juiz mandasse corrigir a petição – como defende o recorrente -, teria de ser no sentido de o recorrente optar por uma das formas processuais, ficando também de fora, outras causas de pedir e pedidos.
Deste modo, verificando-se motivo para indeferimento liminar, o direito do recorrente é melhor tutelado, na medida em que, por aplicação ex vi artº 2º, alínea c) do CPPT, do artº 89º, nº 2 do CPTA, pode apresentar nova petição ou petições de acordo com os pedidos, considerando-se as mesmas apresentadas na data da petição liminarmente indeferida, o que pode ser relevante para efeitos de caducidade do direito.
Para cada tipo de matéria suscitada, o recorrente dispôs oportunamente de meios processuais para sua defesa, pelo que não faz agora sentido invocar que o despacho recorrido lhe denegou “a justiça pedida pelo recorrente e esquece-se o direito do recorrente a um processo orientado para a justiça material, ao arrepio dos princípios basilares do Estado de Direito e da Constituição”.
Concluímos então no sentido de que a petição inicial é inepta, pelo que o recurso não merece provimento.
VII. Nestes termos e pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente fixando-se em um sexto a procuradoria.
Lisboa, 2 de Junho de 2010. - Valente Torrão (relator) - Isabel Marques da Silva -com declaração anexa - Brandão de Pinho.

DECLARAÇÃO DE VOTO


Votei a decisão, mas no entendimento de que não é a falta de “identidade de natureza dos tributos” (pois que entendo este requisito como não constituindo obstáculo à cumulação quando em causa estão tributos com a natureza de impostos), mas a falta de identidade dos “fundamentos de facto e de direito” que obsta à cumulação de impugnações (art. 1 04.° do CPPT).
Já no que se refere à cumulação de pedidos incompatíveis, embora propenda a entender - fundamentalmente por razões de economia processual -, que se o meio utilizado é o adequado para conhecimento de algum deles, deve o juiz conhecer desse pedido, fiquei convencida de que a solução adoptada, e que por isso votei, é a que melhor tutela os direitos do impugnante, pois que pode agora apresentar tempestivamente novas acções.
Lisboa, 2 de Junho de 2010
Isabel Marques da Silva

Palmira Estalagem Nº 17643

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