quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Procedimento Cautelar

Procedimento Cautelar:

Com o advento do novo Contencioso Administrativo, o procedimento cautelar ganha um novo elan, reafirma-se e ganha substância. Os processos cautelares visam essencialmente garantir o tempo necessário para que se faça Justiça. E mesmo em situações em que não existam atrasos, existe um tempo necessário para julgar bem.

Dada a sua especificidade e importância relativamente ao acautelar dos interesses das partes e do interesse público lactu sensu, pensamos que a análise do Acórdão de 25 de Março de 2010 - Processo 0821/09, nos permite elucidar sobre a sua abrangência e aplicação num caso concreto - A suspensão de vencimento de um Magistrado do Ministério Público.




Acórdãos STA
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:
0821/09
Data do Acordão:
25-03-2010
Tribunal:
PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:
ADÉRITO SANTOS
Descritores:
PROVIDÊNCIA CAUTELARMAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICOSUSPENSÃO DE EXERCÍCIO E VENCIMENTOSSUSPENSÃO PARCIAL DE EFICÁCIA
Sumário:
I - Nos termos do artigo 175, número 1, do Estatuto do Ministério Público, a pena de suspensão de exercício implica a perda de remuneração pelo período correspondente a essa suspensão.II - Esta previsão legal vale se e quando se estabilizar a decisão punitiva, não obstando a que, em sede de procedimento cautelar e em substituição da providência requerida, possa ser determinada, ao abrigo do disposto no artigo 120, nº 3 do CPTA, a suspensão de eficácia dessa decisão, limitada à perda de vencimentos do magistrado a quem respeita.
Nº Convencional:
JSTA00066366
Nº do Documento:
SAP201003250821
Data de Entrada:
04-11-2009
Recorrente:
CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:
A...
Votação:
MAIORIA COM 2 VOT VENC
Meio Processual:
REC JURISDICIONAL.
Objecto:
AC 1SUBSECÇÃO DO CA PROC821/08 DE 2009/09/24.
Decisão:
PROVIDO.
Área Temática 1:
DIR ADM CONT - MEIO PROC ACESSÓRIO/SUSPEFIC.
Legislação Nacional:
CPTA02 ART120 N1 B ART12 N3 ART112. EMP98 ART175.
Jurisprudência Nacional:
AC STA PROC27/09 DE 2009/01/22.
Referência a Doutrina:
VIEIRA DE ANDRADE A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA LIÇÕES 8ED PAG344.AROSO DE ALMEIDA O NOVO REGIME DO PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS 4ED PAG291.ANA GOUVEIA MARTINS A TUTELA CAUTELAR NO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO 2005 PAG331.FERNANDA MAÇÃS AS FORMAS DE TUTELA URGENTE PREVISTAS NO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS IN 8FDC 2005 PAG221.
Aditamento:
Texto Integral
Texto Integral
Texto Integral:
Acordam, no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo:1. A…, procurador-adjunto identificado nos autos, apresentou neste Supremo Tribunal Administrativo requerimento de suspensão da eficácia do acórdão do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), de 14/7/2009, que, indeferindo a reclamação por si deduzida do acórdão da Secção Disciplinar do mesmo CSMP, manteve a pena de suspensão de exercício por 210 dias, acrescida de transferência, que ao requerente fora aplicada por aquela Secção na sequência de processo disciplinar.A fundamentar esse pedido de suspensão de eficácia, o requerente disse, além do mais, que a imediata execução dele liquidaria «em definitivo»a sua «imagem pública» enquanto magistrado e, ademais, privá-lo-ia durante aqueles 210 dias dos rendimentos necessários à sua subsistência e da casa de função onde vive, de modo que a recusa da suspensão pedida lhe traria prejuízos irreparáveis e muito superiores aos que o deferimento dela pode causar ao interesse público.Na contestação, o CSMP, além de defender a inteira legalidade do acto e o grave prejuízo que o interesse público sofreria se ele não fosse já executado, disse ainda que tal execução não causa ao requerente um prejuízo irreversível ou dificilmente reparável; todavia, porque admitiu que a «perda de vencimento» advinda da pena disciplinar perturbará, «de modo grave, a satisfação das necessidades e dos compromissos assumidos pelo requerente», o CSMP sugeriu que, nos termos do art. 120°, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), se adoptasse uma providência que combinasse o afastamento do serviço com «o pagamento provisório mensal da quantia correspondente ao valor do vencimento» do requerente. Assim, o CSMP sustentou o indeferimento da providência solicitada ou, ao menos, a sua substituição pela outra que sugeriu.Por acórdão da 1ª Secção, de 24.9.09, foi deferido o pedido de suspensão de eficácia, formulado pelo requerente.Inconformado com essa decisão, veio o CSMP recorrer para este Pleno, apresentando alegação, com as seguintes conclusões:1. O Acórdão recorrido enferma de vício de ERRO DE JULGAMENTO, pois assume um conhecimento da infracção, por parte do CSMP, em momento muito anterior àquele em que, de facto, ocorreu, admitindo uma inércia ou um desinteresse em agir que não tem correspondência real, pois o CSMP instaurou processo disciplinar na data da notícia da infracção e concluiu-o cerca de 4 meses depois. Por isso, 2. Deve ser REVOGADO e substituído por outro que reavalie o valor dos fundamentos invocados pelo CSMP para sustentar o prejuízo para o interesse público decorrente do diferimento da execução da pena e conclua pela superioridade dele face ao que vem alegado pelo Senhor Magistrado Requerente;3. O decretamento da providência sugerida pelo CSMP é LEGAL, encontrando suporte no artigo 120º, nº 3 do CPTA e na natureza especial e precária da providência cautelar, que pode diferir para momento ulterior algum ou alguns SEGMENTOS EXECUTÓRIOS da pena, no caso, a perda de retribuição;4. Defender, nos termos em que vem defendida, a ilegalidade do pagamento provisório proposto é afirmar a própria ilegalidade da medida cautelar decretada, pois a execução da pena de "SUSPENSÃO DE EXERCÍCIO" supõe, antes de tudo, o afastamento do serviço;5. Uma vez revogada, nesta parte, a decisão recorrida, e REPONDERADA a pertinência da medida cautelar alternativa sugerida, deve ser dado cumprimento ao disposto no artigo 120°, nº 3 do CPTA, OUVINDO-SE o Senhor Magistrado Requerido e, depois, ser proferida DECISÃO QUE, pelas razões oportunamente invocadas pelo CSMP, em sede de OPOSIÇÃO, que se renovam e se dão por integralmente reproduzidas, ACOLHA E DECRETE A SUPRA REFERIDA MEDIDA.NESTES TERMOSDEVE SER JULGADO PROCEDENTEO RECURSO JURISDICIONAL.O recorrido apresentou contra-alegação, na qual formulou as seguintes conclusões:1. Carece em absoluto de fundamento o recurso do CSMP.2. Com efeito, o acórdão impugnado não enferma de nenhum vício de julgamento e, de qualquer modo, não enferma nunca do vício de julgamento alegado na primeira conclusão do recorrente.3. Não, tem, assim, que ser revogada a decisão recorrida, nem que proceder o Tribunal à reavaliação dos fundamentos invocados pelo CSMP em defesa do pretendido primado do prejuízo do interesse público.4. O recorrente não invoca aliás nenhuma nulidade ou ilegalidade do acórdão recorrido, que porventura devessem impor a sua revogação e um novo julgamento da questão.5. Não merecem censura nem a interpretação nem a aplicação que o acórdão faz dos princípios normativos contidos no artº 120º, n.º 3, do CPTA ao caso concreto do processo cautelar.6. É óbvio que a decisão impugnada não pôs nunca em causa a legalidade abstracta da pena de suspensão de exercício.Cumpre decidir.2. O acórdão recorrido considerou assentes e com relevância para a decisão a proferir os seguintes factos:1 - O requerente é Procurador Adjunto, estando colocado desde 2003 na comarca do ….2 - Por despacho de 15/10/2007, foi-lhe instaurado um processo disciplinar.3 - Terminada a produção de prova, o Instrutor desse processo disciplinar elaborou o relatório final cuja cópia consta de fls. 69 a 110 destes autos e em que propôs: o arquivamento relativamente à acusação de que o arguido violara o dever de reserva; a punição dele, por uma outra infracção apurada, na pena de inactividade de um ano e quatro meses.4- Por acórdão de 12/5/2009, cuja cópia consta de fls. 58 e ss. destes autos, a Secção Disciplinar do CSMP deliberou, por maioria, acolher a proposta de arquivamento parcial do Instrutor - na parte que se relacionava com a «violação do dever de reserva por transmissão a terceiros de informações sobre a existência de um processo criminal» - e, no demais: «Considerar parcialmente procedente, por provada, a acusação deduzida nestes autos contra o Sr. Procurador Adjunto Lic. A…, estando este incurso na prática da infracção disciplinar prevista na segunda parte do art. 163° do EMP, isto é, pela prática de actos, reiterados, que consubstanciam uma conduta pública por parte do arguido incompatível com o decoro e a dignidade indispensáveis ao exercício da função de magistrado do Ministério Público, a qual teve inevitável suspeição nos deveres profissionais de imparcialidade e isenção, conforme descritos nos arts. 3°, n.º 3, 4, al. a), e 5 do DL n.º 24/84, de 16/1 (em vigor à data da prática dos factos ou, actualmente, pelo art. 3°, n.º 1, 2, al. b) e c), 4 e 5 da Lei n.º 58/2008, de 9/9), aplicáveis "ex vi" art. 216° do EMP».«Em consequência, aplicar ao arguido, nos termos conjugados dos arts. 166°, n.º 1, al. d), 170°, n.º 1 e 2, e 175°, n.º 1 e 3, al. b), do EMP, a pena de suspensão de exercício por 210 dias, acrescida de transferência para tribunal do continente, mas situado dentro do Distrito Judicial de Lisboa».5 - O requerente reclamou desse acto para o Plenário do CSMP.6 - Por acórdão cuja cópia consta de fls. 169 a 185 destes autos, o Plenário do CSMP, por maioria, indeferiu a reclamação.7- Em 7/8/2009, e no exercício de poderes delegados, emanou do CSMP a «resolução fundamentada» cuja cópia consta de fls. 213 a 216 destes autos.8 - A perda de vencimento, correspondente a 210 dias, que o requerente sofrerá se for imediatamente executado o acto punitivo irá perturbar, de modo grave, a satisfação das necessidades e dos compromissos assumidos pelo requerente.3. Como se relatou, o acórdão recorrido decidiu deferir o pedido de suspensão de eficácia da deliberação, tomada pela entidade recorrente CSMP, que impôs ao ora recorrido a pena de suspensão de exercício, por 210 dias.Para assim decidir, o acórdão partiu do facto, aceite pela entidade recorrente, de que a perda de vencimento, por tal período de tempo, que o requerente sofreria, em caso de imediata execução do acto punitivo, perturbaria, de modo grave, a satisfação das necessidades e compromissos por ele assumidos, causando-lhe danos, que são, afinal, de natureza não patrimonial, «pois concernem à queda abrupta do nível e das condições de vida do requerente, que atribui à actual execução do acto o efeito de subitamente o confinar a um estado de pobreza incompatível com os seus hábitos e com a qualidade de magistrado que ele, mesmo suspenso das funções, continuará a deter»e configuram, assim, prejuízo de difícil reparação, para os efeitos do disposto no art. 120, nº 1, al. b), do CPTA. E, ponderando as razões de interesse público, invocadas pelo CSMP, no sentido da imediata execução do questionado acto punitivo, o acórdão considerou, face ao tempo decorrido após a ocorrência dos factos que o motivaram, que tais razões apresentam, no caso concreto em apreço, dimensão menos relevante que a dos prejuízos dificilmente reparáveis que, para o interessado requerente, adviriam do indeferimento da requerida suspensão de eficácia desse acto.Na respectiva alegação, a entidade recorrente, continuando a aceitar que «a imediata execução do acto punitivo pode trazer ao Senhor Magistrado Requerente prejuízos imediatos que podem por em causa a satisfação de necessidades elementares e consequentemente, a verificação do ‘periculum in mora’», começa por discordar da ponderação, feita no acórdão, sobre os interesses em presença, afirmando que tal ponderação e a consequente decisão, no sentido da menor relevância do interesse público, relativamente ao interesse particular do ora recorrido no deferimento da providência, resultou do erro em que diz ter incorrido o acórdão, por ter considerado, segundo a mesma entidade recorrente, que esta, ao longo do tempo que decorreu entre o conhecimento dos factos disciplinarmente ilícitos e a punição por eles imposta ao recorrido, se desinteressou de acautelar, por via, designadamente, da respectiva suspensão preventiva, o interesse público na preservação da imagem e prestígio da magistratura do Ministério Público, postos em causa por tais factos.Vejamos.Tendo concluído que a imediata execução do acto punitivo trará ao requerente prejuízos de difícil reparação, o acórdão ora impugnado cuidou de confrontar a dimensão de tais prejuízos com a afecção do interesse público que, como não deixou de reconhecer, sempre haverá de resultar do deferimento da requerida suspensão de eficácia desse acto. Para tanto, apreciou os argumentos invocados pelo CSMP, no sentido da conveniência de que este seja imediatamente executado e que resumiu assim: «´primo`, a conduta indecorosa do requerente foi conhecida e reprovada pela comunidade, pelo que a permanência dele nas funções feriria a imagem e o prestígio locais do MºPº; ‘secundo’ há razões de prevenção geral que reclamam uma pronta execução das penas; ‘tertio’, e tal como no acto se disse, foram postas em causa a isenção, a seriedade e a imparcialidade do requerente como magistrado do MºPº, o que aponta para a suspensão imediata do seu exercício de funções». Perante o que ponderou o acórdão:Aquele primeiro ponto relaciona-se com algo em que o requerente muito insistiu - que as suas liberdade e intimidade pessoais tornam inadmissível e abusiva a punição aplicada. Se achássemos o mesmo, já teríamos considerado evidente a procedência da acção principal e concluído pelo deferimento do pedido cautelar. Ora, importa referir que o requerente não foi punido por frequentar um estabelecimento duvidoso ou de má fama, mas por tê-lo feito apesar de saber que a sua condição de magistrado era aí amplamente conhecida e lhe proporcionava um tratamento de favor. O CSMP considera que a gravidade disso inviabiliza a suspensão de eficácia pedida; mas há aqui uma confusão entre a necessidade de sancionar a falta e o tempo para o fazer.Embora na sua vida privada, o requerente actuou de uma forma indecorosa e indigna, que afectou a sua imagem profissional e o prestígio do Mº Pº - é isso que o acto nos diz e foi sobretudo por isso que o puniu. No entanto, tal conduta do requerente ocorreu entre 2003 e Julho de 2005, tendo cessado, assim, há cerca de quatro anos. Entretanto, ele manteve-se no exercício das suas funções de magistrado do MºPº na comarca do …; e prosseguiu-as durante os últimos dois anos em que correu o processo disciplinar, sem que aí fosse alvo de uma suspensão preventiva - possível à luz do art. 196° do EMP e até apropriada desde que se entendesse que a continuação do requerente na efectividade do serviço feria o prestígio e a dignidade da função. Assim, temos que o CSMP quer executar imediatamente um acto para salvaguardar, agora, os mesmos valores que poderiam ter sido protegidos, com muito maior actualidade, através de uma suspensão preventiva não decretada; ao que acresce que a exigida celeridade na execução do acto visa defender uma imagem publicamente degradada por comportamentos terminados há quatro anos, como se o decurso de tanto tempo, embora não apagando a falta, não esbatesse de algum modo a premência da sua punição.E, depois, de afastar a relevância do argumento baseado na invocação das razões de prevenção geral – por considerar que qualquer magistrado entenderá o deferimento no tempo da efectiva execução da pena disciplinar imposta «como o fruto de meios processuais que em nada brigam com a firmeza e prontidão do CSMP na tutela do que possa ferir o prestígio do MºPº» – prosseguiu o mesmo acórdão:Quanto ao terceiro ponto, parece que o CSMP considera que os favores recebidos pelo requerente no bar de alterne que frequentou levantam a suspeita de que ele seja tentado a retribuí-los - e, daí, a afirmação de que o requerente não dá suficientes garantias de seriedade, isenção e imparcialidade, devendo entrar já em cumprimento de pena. Mas esta argumentação também não persuade, não só porque convoca danos vagos e hipotéticos (e, ademais, talvez minorados pelo arquivamento parcial do processo disciplinar), mas também devido ao hiato temporal que se abriu entre a frequência do bar e a actualidade. Pode suceder que os riscos referidos pelo CSMP não estejam tão sujeitos à usura do tempo como as questões de prestígio e imagem, que acima tratámos. Mas uma coisa é inegável: o CSMP não os encarou ao longo dos anos como razão bastante para actuar, designadamente usando o mecanismo da suspensão preventiva, o que amortece a urgência ora invocada; e qualquer dúvida que acaso se coloque quanto à isenção e à imparcialidade do requerente nalgum processo, por via da identidade dos respectivos interessados, é susceptível de uma solução casuística satisfatória - como decerto sucedeu ou poderia ter sucedido nos anos transactos.Completada a análise das razões de interesse público que, na óptica do CSMP, fundam a imediata execução do acto, vê-se que só duas delas assumem efectiva relevância. Mas uma relevância diminuída pelo tempo decorrido desde a falta e pela continuação, nesse interim, das funções de magistrado exercidas pelo requerente; pois é quase inevitável que a premência em executar a pena decline com o progressivo distanciamento temporal do ilícito disciplinar, cuja duradoura projecção de lesões e riscos tende naturalmente a esbater-se com a passagem dos anos. Com isto, não negamos que as respostas disciplinares devam ser rápidas e executadas depressa; o que simplesmente dizemos é que a conveniência numa pronta execução das penas varia consoante as circunstâncias, podendo ser maior ou menor. Precisamente porque não há aqui uma medida fixa é que, ao graduarmos o valor inerente à execução célere do acto, somos conduzidos pelos elementos do caso a depreciar o interesse público que contraria a suspensão. Portanto, as razões que reputámos justificativas de que se execute já a pena aplicada, embora valham por si sós ou conjuntamente, não têm um peso extraordinário.E muito menos invencível. Na verdade, o valor delas é claramente inferior à dimensão dos prejuízos dificilmente reparáveis que - como atrás vimos - para o requerente adviriam do indeferimento da providência. Com efeito, o peso de uma perturbação grave experimentada pelo requerente na satisfação de necessidades básicas sobreleva os danos - afinal mitigados pelo decurso do tempo e por outras circunstâncias do caso - que o interesse público sofrerá se a suspensão for decretada. Donde se conclui que, operada a ponderação de interesses a que alude o art. 120°, n.º 2, do CPTA, o pedido de suspensão merece deferimento.Assim, o acórdão impugnado, diferentemente do que pretende a entidade recorrente, não visou criticar o CSMP, seja por não ter usado da suspensão preventiva do magistrado ora recorrido, seja pelo tempo decorrido desde a prática da infracção até que tomou a deliberação punitiva. Antes se limitou a considerar que a suspensão preventiva, que era possível, teria correspondido, se utilizada, à necessidade de neutralização dos efeitos do ilícito praticado e que a premência dessa neutralização se esbateu com o decurso do tempo, de que resulta a diminuição do alcance desses nocivos efeitos na imagem e prestígio da magistratura do Ministério Público. Daí que – conforme a ponderação do mesmo acórdão – o risco de lesão do interesse público na preservação dessa imagem não apresente, agora, uma intensidade tal que faça prevalecer, por via da imediata execução da sanção punitiva, a necessidade de afirmação desse interesse público, ante a dimensão dos prejuízos dificilmente reparáveis que, para o ora recorrido, adviriam dessa imediata execução.Em suma: o acórdão recorrido limitou-se a fazer, como se lhe impunha, a ponderação dos interesses (público e particular) em presença, concluindo pela predominância, em concreto, do interesse particular do recorrido e, por consequência, pela concessão da providência requerida.E a correcção dessa conclusão, baseada na ponderação e valoração da matéria de facto apurada, está fora do âmbito de apreciação deste tribunal pleno, cujos poderes de cognição se restringem a matéria de direito (art. 12/3 CPTA) Neste sentido, vejam-se, p. ex., os acórdãos de 13.11.07 (Rº 797/p) e de 22.1.09 (Rº 27/09)..Pelo que improcede, nesta parte, a alegação do recorrente CSMP.Nessa alegação, porém, o mesmo CSMP também contesta o acórdão da Secção, por não ter acolhido da proposta, por aquela entidade formulada, de substituição da providência requerida pela de afastamento do requerente do serviço, com pagamento provisório de vencimento ou quantia equivalente.Tal sugestão do CSMP enquadra-se na abstracta previsão do art. 120 do CPTA, onde se dispõe que «3. As providências cautelares a adoptar devem limitar-se ao necessário para evitar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente, podendo o tribunal, ouvidas as partes, adoptar outra ou outras providências, em cumulação ou substituição daquela ou daquelas que tenham sido concretamente requeridas, quando tal se revele adequado a evitar a lesão desses interesses e seja menos gravoso para os demais interesses, públicos ou privados, em presença».A Secção considerou inviável a sugerida substituição da providência requerida, por entender que colidiria com a norma do art. 175 Artigo 175º (Pena de suspensão de exercício):1 – A pena de suspensão de exercício implica a perda do tempo correspondente à sua duração para efeitos de remuneração, antiguidade e aposentação.2 - … do Estatuto do Ministério Público (EMP), nos termos da qual a pena de suspensão de exercício implica sempre a perda de remuneração pelo tempo correspondente.E, por certo, que essa implicação haverá de impor-se, caso se estabilize a deliberação punitiva aplicada.Todavia, situamo-nos, ainda, em fase anterior a essa eventual estabilização, tratando-se, agora, de apurar se a pretendida substituição da providência requerida tem ou não a virtualidade de preservar o requerente dos prejuízos de difícil reparação decorrentes da imediata execução do acto punitivo [art. 120/1/b)], sem que dela resultem, para o interesse público, danos de relevo superior a esses prejuízos (nº 2). Ou seja: se é proporcional à necessidade de defesa dos interesses do requerente e, do mesmo passo, a menos gravosa para o interesse público (nº 3). Tarefa que, assim, haverá de desenvolver-se fora do alcance da previsão normativa, designadamente, do referido art. 175 do EMP e à luz da regra da atipicidade das providência cautelares (art. 112/1 CPTA) e dos princípios da tutela judicial efectiva (art. 2/1) e da justiça material e da proporcionalidade Vd. entre outros, J. C. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 8ª ed., 344, ss., M. Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª ed. Almedina 2005, 291, ss., Ana Gouveia Martins, A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo, Coimbra Ed. 2005, 331, ss. e Maria Fernanda Maçãs, As formas de tutela urgente previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra Ed. 2005, 221, ss..Por outro lado, o juízo a formular sobre a (in)adequação dessa pretendida subsituação terá de considerar não apenas os elementos de facto já apurados mas também os que, eventualmente, resultarem da audição do requerente, como exige a lei, no citado art. 120, nº 3, do CPTA.Nesta conformidade, e diversamente do entendimento manifestado no acórdão recorrido, conclui-se que a possibilidade de substituição, nos termos propostos pelo recorrente CSMP, da medida cautelar requerida não é inviabilizada ou prejudicada pela disposição, designadamente, do referido art. 175 EMP, devendo tal possibilidade ser ponderada e ouvido, a esse propósito, o requerente, tal como defende aquele recorrente, cuja alegação, nessa medida, se mostra procedente.4. Nos termos e com fundamentos expostos, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido e ordenando a remessa dos autos à Secção, para apreciação e decisão sobre a proposta substituição da medida cautelar requerida, se a tanto outra razão não obstar.Custas pelo recorrido, fixando-se a taxa de justiça em duas unidades de conta.Lisboa, 25 de Março de 2010. – Adérito da Conceição Salvador dos Santos (relator) – Rosendo Dias José – Maria Angelina Domingues – Luís Pais Borges – Jorge Manuel Lopes de Sousa – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Rui Manuel Pires Ferreira Botelho – António Bernardino Peixoto Madureira – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – António Bento São Pedro – António Políbio Ferreira Henriques – Fernanda Martins Xavier e Nunes – José António de Freitas Carvalho – José Manuel da Silva Santos Botelho (vencido, nos termos da declaração de voto do Sr. Consº Madeira dos Santos) – Jorge Artur Madeira dos Santos (vencido nos termos da declaração que junta).
VOTO DE VENCIDO
A providência diferente que a posição vencedora crê possível é ilegal, como decorre das razões que passo a expor.O acto impugnado tem uma única estatuição – a aplicação de uma pena de suspensão de exercício; e esta pena disciplinar, «ex vi legis», tem dois efeitos reciprocamente incindíveis – a suspensão da actividade e a suspensão do vencimento.Ora dada tal incindibilidade, manter a suspensão de exercício e pagar o vencimento constitui uma solução «contra legem»; e pagar, na vez do vencimento, a quantia pecuniária que lhe seja equivalente redunda, de modo ínvio, no mesmo fim proibido – o que constitui fraude à lei.E não se diga que o problema se altera por estarmos antes da estabilização do acto punitivo. Esse é um argumento obscuro, frustre e inconsequente, pois a execução dos actos é igual, estejam eles consolidados ou não. Ora, é precisamente contra essa execução imediata, buscando a paralisia do duplo efeito (o afastamento do serviço e a privação dos vencimentos) inerente ao actual cumprimento da pena, que o aqui recorrido deduziu o seu meio cautelar.A posição vencedora também olvida que o tribunal só pode ordenar pagamentos se, para tanto, houver o correspondente título jurídico, sob pena de decidir «sine lege» – visto que a criatividade da jurisprudência não opera maravilhosamente «ex nihilo». Sabedor de que não existe um título do género, o CSMP absteve-se de, «motu proprio», ordenar o pagamento dos vencimentos ou do equivalente; e remeteu para o STA a responsabilidade de ordenar pagamentos sem causa, pois o acórdão que os ordenasse já constituiria, para o CSMP, um título (abstracto) bastante.A inadmissibilidade da solução vencedora detecta-se melhor do seguinte modo: que viabilidade teria o procedimento cautelar se o requerente pedisse que – não obstante o seu não exercício de funções por via da pena aplicada – o CSMP lhe fosse pagando os vencimentos ou a «quantia equivalente»? Certamente nenhuma pois, mesmo em sede cautelar, não é possível que os requeridos sejam condenados a adiantar importâncias pecuniárias sem uma efectiva razão de ser, distinta das meras necessidades do requerente. E ainda não consta que o CSMP tenha obrigações alimentares.Ora, se a providência diferente não podia ser pedida «in initio», também não pode ser decretada «in fine» – mesmo que o CSMP se disponha a despender dinheiros públicos fora das circunstâncias autorizadas por lei. A solução vencedora é injustificável e, na prática, abre a porta à execução de penas do género sem perda de remuneração.Mas há mais. Em rigor, a providência substitutiva ou diferente que o CSMP teria sugerido não existe. O que o CSMP evidentemente deseja é um deferimento apenas parcia1 da providência, de modo que a eficácia do acto só seja suspensa na parte relativa à perda das remunerações. Mas, porque esta solução, ao cindir efeitos incindíveis, logo se mostra ilegal, o CSMP ocultou-a sob o expediente previsto no nº 3 do artº 120º do CPTA.Por último, a posição vencedora silencia dois pontos importantes; afinal, a providência que crê possível já envolve, ou não, um começo de cumprimento da pena? E em que termos o ora recorrido haverá, porventura, de devolver as importâncias que o CSMP lhe adiante? Não se sabe, porque não se definiu nem se aprofundou a providência preconizada, remetendo-se para conflitos futuros um acerto de ideias que, já hoje, deveria funcionar como pressuposto do acórdão.Deste modo, negaria provimento ao recurso e confirmaria o acórdão recorrido.Jorge Artur Madeira dos Santos.







Ana Luisa Ribeiro
Nº 17683
Turma 1 - Noite

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