domingo, 19 de dezembro de 2010

função preventiva ou função reactiva?

“ O peixinho vai nadando, vai nadando de mansinho, ele sobe e dá uma volta e continua o seu caminho”
Com todo o respeito pelo legislador do CPA, é a cantarolar esta música infantil que tento interpretar a letra da lei e o pensamento legislativo expresso no CPTA.
Na nova reforma do Contencioso Administrativo o legislador estabeleceu o regime jurídico dos meios processuais existentes, principal, cautelar e executivo, no ETAF (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais) e no CPTA (Código do Procedimento nos Tribunais Administrativos). As acções previstas vêm exemplificar as pretensões específicas que podem ser feitas no âmbito da garantia constitucional de “ (…) tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas.”, Art.º268.º, n.º4 da CRP.
O CPTA regula toda a tramitação jurisdicional, aplicando-se subsidiariamente o CPC (Código do Processo Civil) nas matérias que o art. 35.º do CPTA remete expressamente. Os meios processuais que o CPTA prevê são:
- acção administrativa comum, art. 37.º e SS.
-acção administrativa especial, art.46.º e SS.
-processos urgentes, art.97.º e SS.
-processos cautelares, art.112.º e SS.
-processo executivo, art.157.º e SS.
Cada um pretende tutelar uma pretensão específica (existe ainda a possibilidade de se fazer uma cumulação de pedidos, art.4.º e 5.º CPTA), reunindo os pressupostos, nomeadamente os relativos ao objecto (pedido e causa de pedir), legitimidade (activa e passiva), oportunidade e a competência dos tribunais, permitindo aos interessados ver os efeitos dos seus pedidos nas sentenças, com força de caso julgado.
Contudo, existem pedidos que parecem ser uma mistura de diferentes meios processuais, nomeadamente a acção comum e a acção especial, como o caso do pedido de condenação previsto no art.º37.º, n.º2, al. c) CPTA, chamada de “acção impositiva e acção inibitória” (Vieira de Andrade, e Mário Aroso de Almeida) ou “acção condenatória” (Vasco Pereira da Silva) prevista no art.º37.º, n.º2, al. c) CPTA com a seguinte redacção:“ Condenação á adopção ou abstenção de comportamentos, designadamente a condenação da Administração á não emissão de um acto administrativo, quando seja provável a emissão de um acto lesivo.”
Esta nova subespécie de acção administrativa comum vem ao encontro da evolução do Procedimento Administrativo e o surgimento da Administração Prestadora e Infra-estadual que tem como novos domínios de intervenção, como o ambiente, urbanismo, ordenamento do território, etc. Porque permite condenar a Administração por qualquer comportamento que seja lesivo aos direitos e interesses dos cidadãos.
Este pedido é feito no âmbito da acção comum, forma de processo principal, cuja delimitação é feita na negativa, por exclusão ” (…) nem neste Código nem em legislação avulsa, sejam objecto de regulação especial”. A natureza dos pedidos são variados, de simples apreciação (al. a), b)), pedidos de condenação (al. c), d), e), f), g), e existe combinação de pedidos de simples apreciação, constitutivos e os de condenação al. h), i), j) e o n.º3, art.37.º do CPTA.
Mas a al. c) expressa a possibilidade de se condenar a Administração a adoptar ou a abster-se de determinados comportamentos, como por ex. emitir actos administrativos, que podem ser lesivos. O que levanta a algumas dúvidas, pois corre-se o risco de confundir este meio comum com outro meio processual, o especial que tem como objecto, pedidos relativos á prática ou omissão ilegal de actos administrativos art.º46.º, n.º1 CPTA.
Segundo a doutrina esta norma comporta 2 acções:
1º acção inibitória, que visa impedir a consumação de um comportamento lesivo da Administração;
2ºacção impositiva, que visa obrigar a Administração a adoptar medidas de conteúdo positivo quando sejam adequadas a evitar o risco de lesão na sua esfera jurídica;
a)Que comportamentos podem e devem ser abrangidos neste pedido de condenação?
Mário Aroso de Almeida e Vieira de Andrade adoptam uma noção ampla de comportamentos, que abrange todas as actuações públicas: as técnicas, as informais, as operações material, incluindo os actos administrativos, e os simples actos jurídicos ( ex. abertura de concursos, fixação de prazos, etc.). Apenas divergem na forma de utilização deste pedido, Vieira de Andrade restringe este pedido nas impossibilidades de tutela através da acção especial, e para a defesa de direitos absolutos (direitos, liberdades e garantias, direitos pessoais ou os de propriedade, e os direitos da comunidade no âmbito da acção popular. Mário Aroso de Almeida não restringe aos direitos absolutos, para ele serve para a tutela de qualquer direito ou interesse, desde que se demonstre o interesse processual qualificado, e que esta acção seja o meio idóneo a obter uma sentença que não seria eficazmente obtida através da impugnação de actos na acção especial (que tem uma função reactiva) e nem através de recurso a providências cautelares. Assim o autor tem que convencer o tribunal do seu interesse qualificado, baseado na situação de risco e na possível produção de danos da conduta da Administração, e convencer o tribunal da utilização desta tutela preventiva, que é necessária, mas não é tão urgente que requeira uma tutela cautelar.
O Prof. Vasco Pereira da Silva, embora procure “um sentido útil ” á exemplificação da 2ªparte da norma, “ (…) á não emissão de um acto administrativo (…)”, admite em termos excepcionais esta tutela de actos administrativos na acção comum . Mas deixa a critica de que incluir os actos administrativos na acção comum, é mais uma prova dos “traumas de infância” e das influências (das “sessões de grupo”) do Direito Alemão, porque o sistema germânico é diferente do português. Assim é favorável á ideia de acção preventiva de actos administrativos apenas na acção especial.
Em suma, esta acção inibitória e impositiva, tem uma função preventiva por isso que se distingue da acção especial, impugnação de actos administrativos, que tem uma função reactiva, posterior a emissão do acto. Mas distingue-se da acção cautelar, que também tem um a função preventiva, pois é definitiva e não provisória. E apenas é admissível nos casos de fundado receio de violação dos direitos dos cidadãos, por parte de um futuro comportamento da Administração.
Bibliografia
-Almeida, Mário Aroso de / Cadilha, Carlos “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos” 3ª edição, Almedina, 2010, pag.232 e SS.
-Andrade, Vieira de “ Justiça Administrativa (Lições) ”, 3ªedição, Coimbra, 2000 pag. 185 e SS.
-Silva, Vasco Pereira da “ A acção para o Reconhecimento de direitos” em Cadernos de Justiça nº16, Julho - Agosto 1999 pag. 41 e SS.
- Silva, Vasco Pereira” O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, 2ªedição, Almedina, Coimbra, 1998 pag. 449 e SS.


Trabalho realizado por: Carla Varela, nº 15439, 4ºano noite, subturma 1

O peixinho foi nadando e concluiu o seu caminho ;-)

Boas férias e boas festas.

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