segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A Legitimidade no Contencioso Administrativo

Princípio de separação de poderes.
A separação de poderes representa um conceito chave no âmbito da Ciência Politica, do Direito Constitucional e do Direito Administrativo.
A caracterização da separação de poderes projecta-se na distinção da função administrativa da função legislativa, da função politica e da função jurisdicional.
O papel de separação de poderes tem de procurar-se em, primeira linha, em cada modelo constitucional.
As constituições evidenciam normalmente duas dimensões do princípio.
A primeira, reveste-se de natureza negativa – tenta evitar a concentração de poderes. Implica que cada órgão do Estado só pratique os actos que constitucionalmente lhe são cometidos.
A segunda, procura atribuir a cada poder de Estado as competências mais adequadas em função de critérios de legitimidade política e habilitação funcional.
Devemos, assim, relacionar o princípio da separação de poderes com as formas de governo democrático, representativo e pluralista.

A este título continua a ser útil recordar o artigo 16.º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de Agosto de 1789 – “toda a sociedade, em que não esteja assegurada e garantia dos direitos nem determinada a separação de poderes, não tem constituição”.
Nesta perspectiva o princípio assegura tendencialmente a defesa dos direitos fundamentais como imperativo limitador de qualquer poder do Estado. Descobre-se, ainda, a intenção de alcançar um modelo organização estrutural dos órgãos de soberania que favoreça as condições institucionais de respeito da esfera individual e a possibilidade de realização do programa de direitos fundamentais ínsito em cada lei fundamental - defesa dos direitos, liberdades e garantias e realização crescente dos direitos sociais.
Como é sabido, no campo do Direito Constitucional, o princípio da separação de poderes afirma-se historicamente pela demarcação do poder legislativo e do poder executivo evitando uma sobreposição propiciadora da concentração de poderes e da diminuição de liberdades.
No plano do Direito Administrativo o princípio dirige-se claramente à separação da função administrativa da função jurisdicional.
Assim, a independência da Justiça perante a Administração implica que esta não pode invadir a competência dos tribunais, sob pena de postergar as garantias de independência da magistratura e praticar actos nulos. A independência da Justiça perante a Administração relaciona-se com a qualificação dos vícios dos actos que invadam a competência dos tribunais – usurpação de poderes.
A independência da Administração perante a Justiça não significa, hoje, qualquer limitação relevante aos poderes de cognição dos tribunais perante a actividade dos órgãos administrativos.
Os tribunais reprimem a violação da legalidade mas não devem imiscuir-se na fiscalização do mérito ou oportunidade da actuação da Administração.
Importa, no entanto, compreender que os poderes do tribunal no controlo da actividade administrativa incluem a possibilidade de intimar, condenar ou impor comportamentos à Administração.
Estão aqui envolvidas a natureza do sistema executivo e da margem de livre decisão administrativa (discricionariedade e margem de livre apreciação) e os diversos tipos de actividade administrativa que se podem recortar no Estado contemporâneo – administração ablativa, prestadora, conformadora e prospectiva.
Em síntese, os poderes do tribunal não serão limitados desde que as respectivas pronúncias se reportem a parâmetros de conformidade jurídica. E, aqui, ganham redobrada importância os princípios constitucionais e legais da actividade administrativa que permitem ao juiz um controlo aprofundado do caso concreto que lhe é submetido.
De qualquer forma, podemos colocar o acento tónico no facto de o tribunal dirimir um conflito de forma imparcial e com base numa questão de direito, enquanto que a Administração procura a realização do interesse público com base em critérios de conveniência e oportunidade juridicamente conformados.
Independentemente de a função politica e a função legislativa serem caracterizadas como funções primárias (liberdade de escolha do órgão do poder político e de conformação do legislador no respeito da Constituição) e a função administrativa constituir uma função secundária (obediência à lei e concretização aplicativa quer a nível regulamentar e individual), não devemos esquecer que o governo é, simultaneamente, o órgão superior da Administração Pública e partilha com o Parlamento o exercício da função legislativa.
A concorrência no mesmo órgão constitucional da função legislativa e da função administrativa suscita com frequência o aparecimento de leis-medida, de leis-individuais e dificulta a caracterização da actividade regulamentar. A generalidade, a abstracção e a novidade da lei, a par da natureza normativa secundária dos regulamentos e do carácter individual e concreto do acto administrativo continuam a ser instrumentos imprescindíveis para fazer corresponder a função constitucional exercida ao órgão competente.
Coloca-se, assim, a questão da sindicabilidade contenciosa dos regulamentos e dos actos administrativos com abuso de forma legal, na perspectiva da respectiva constitucionalidade e recorribilidade.
O princípio da separação de poderes projecta-se, igualmente, na relação entre a função legislativa e a função administrativa.
Estamos a pensar na interferência do Parlamento na actividade administrativa do Governo, enquanto órgão superior da Administração Pública.
Importa saber se a lei parlamentar pode assumir conteúdos materiais de regulamentos e de actos administrativos ou condicionar a vigência de contratos administrativos.
A solução da questão depende, sobretudo, da jurisprudência constitucional de cada país.
- a função administrativa encontra-se subordinada à função legislativa;
- a função administrativa é controlada pela função jurisdicional;

Princípio da prossecução do interesse público.
O princípio da prossecução do interesse público traduz-se numa directiva finalística que enquadra a actividade de todas as entidades públicas na satisfação das necessidades colectivas.
Relaciona-se, naturalmente, com as ideias de “bem comum”, “interesse geral” e “promoção do bem-estar” que são conceitos variáveis em função do tempo.
A importância do princípio depende da noção de função administrativa. Esta é, repete-se, uma função de natureza secundária, o que significa a subordinação à lei.
Ora é a lei, é sempre a lei, que define o interesse público a prosseguir pela Administração Pública.
Devemos distinguir o interesse público primário e o interesse público secundário. Esta dicotomia na análise do conceito permite recortar a relação com a lei e com o princípio da separação doe poderes.
O interesse público primário compete aos órgãos constitucionais no âmbito da função política e legislativa.
O interesse público secundário é definido pelo legislador mas a Administração Pública tem a obrigação de dar-lhe adequada concretização no desempenho da função administrativa. Por outro lado, delimita a capacidade de actuação das pessoas colectivas públicas (princípio da especialidade).
O princípio da prossecução do interesse público constitui o “fio condutor”, o “norte” da actividade administrativa que demonstra a superioridade do poder legislativo na definição do interesse que à Administração cabe prosseguir.
Este princípio vincula a Administração a prosseguir exclusivamente o interesse público e concretamente o interesse especificamente definido por lei. É esta consideração que densifica o vício de desvio do poder, vedando, consequentemente, a prossecução de interesses privados ou de outros interesses públicos estranhos à previsão normativa habilitante.
O interesse público traduz-se num conceito indeterminado que confere à administração uma grande margem de liberdade na sua concreta actuação.
Surge, deste modo, a questão de saber se um tribunal pode invalidar um acto administrativo com fundamento numa diferente leitura da prossecução do interesse público levada a cabo pela Administração. Dito de outra forma, o problema situa-se na força irradiante do princípio da boa-administração.
Entendemos que o dever de boa-administração constitui uma vinculação da Administração na escolha da conduta que melhor preenche o interesse público previsto na lei. Esta vinculação tem consequências administrativas no controlo interno mas não autoriza uma substituição da escolha administrativa por parte do tribunal.
Confluem nesta conclusão os princípios da legalidade e da separação de poderes na medida em que excluem dos poderes do juiz a apreciação do mérito da decisão administrativa.
Assim, podemos resumir a postura do princípio da prossecução do interesse público da seguinte forma:
a) É à lei que cabe estabelecer os interesses públicos que a Administração deve prosseguir;
b) A Administração é obrigada a prosseguir o interesse público definido e cabe-lhe interpretá-lo;
c) O interesse público constitui o motivo principalmente determinante das actuações administrativas sob pena de desvio de poder;
d) A correcta prossecução do interesse público implica o dever de boa administração;

Princípio de legalidade
Actualmente a importância do princípio de legalidade ultrapassa o entendimento clássico que restringia a respectiva influência a um mero limite à acção da Administração Pública.
O princípio de legalidade é encarado de uma forma positiva – a lei define tudo o que a Administração pode fazer e não só o que está proibida de fazer.
O princípio abrange todas as formas de actuação – vincula a administração ablativa e também a administração prestadora.
Por último, o princípio não constitui só um limite à actividade administrativa é também o seu fundamento.
Em matéria de actividade administrativa a regra geral não é o do princípio de liberdade, é o princípio de competência. Segundo o princípio de liberdade que constitui a regra no direito privado, pode fazer-se tudo aquilo que a lei não proíba; segundo o princípio de competência, pode fazer-se aquilo que a lei permite.
O princípio de legalidade abrange, deste modo, a Constituição, as normas de direito internacional, a lei, os regulamentos e deve respeitar os actos e os contratos.

Margem de livre decisão e princípio de legalidade
A Administração Pública não dispõe da liberdade de escolher os fins que prossegue. Como vimos, o sentido de princípio de legalidade e da separação de poderes cometem ao legislador a tarefa de determinar os fins e a competência dos órgãos administrativos.
Mas, como é sabido, o legislador confere, muitas vezes, à Administração o poder de escolher o conteúdo dos actos que pratica.
A escolha obedece ao parâmetro legal que aponta o fim a atingir baseado no interesse público, bem como os órgãos competentes para a prosseguir.
Esta margem de livre decisão comporta duas formas: a discricionariedade e a margem de livre apreciação.
A margem de livre apreciação deve, por seu turno, ser analisada em função da liberdade de apreciação das situações de facto que digam respeito aos pressupostos das decisões administrativas.


Princípio da imparcialidade.
A ideia de imparcialidade significa, segundo VIEIRA E ANDRADE, que “a Administração Pública deve tomar decisões determinadas exclusivamente com base em critérios próprios, adequados ao cumprimento das suas funções específicas no quadro da actividade geral do Estado, não tolerando que tais critérios sejam substituídos ou distorcidos por influência de interesses alheios à função, sejam estes interesses pessoais do funcionário, interesses de indivíduos, de grupos sociais, de partidos políticos, ou mesmo interesses políticos concretos do Governo”.
O princípio de imparcialidade comporta duas vertentes distintas: uma negativa e outra positiva.
A vertente negativa sublinha que os órgãos e agentes administrativos não podem intervir em procedimentos destinados à prática de actos ou à celebração de contratos que lhes digam respeito directa ou indirectamente. Pretende-se garantir a isenção de uma conduta e assegurar a transparência de Administração Pública.
A este título, os regimes jurídicos das situações de impedimento, escusa e suspeição são determinantes para analisar a legalidade das condutas e as consequências para os titulares dos órgãos administrativos que violem o dever de imparcialidade.
A vertente positiva do princípio implica o dever de a Administração ponderar todos os interesses públicos e privados relevantes na situação concreta que tem de decidir.
Este dever de ponderação conjunta tem de observar o fim legal a prosseguir, mas não explica qual o resultado da decisão – exige a identificação e fundamentação dos interesses relevantes públicos e privados na prossecução do interesse público.

Noção do contencioso administrativo

Na história da justiça Administrativa, existem dois modelos básicos de organização que influenciam as opções de cada sistema de contencioso administrativo: os conhecidos modelos de administração executiva e de administração judiciária.
Independentemente da aproximação dos dois sistemas, sobretudo por influência do Direito Comunitário derivado, o sistema executivo continua a caracterizar-se pela tomada de decisões unilaterais obrigatórias dotadas de força executiva. Em Portugal e nos países africanos de língua oficial portuguesa, o sistema de administração executiva implica a análise do modelo objectivista e subjectivista. Os aspectos negativos e positivos que resultam da adopção de um dos modelos na sua totalidade tendem a ser superados por uma construção normativa que combine, sem preconceitos, aspectos de ambos os modelos, aproveitando, na medida do possível, vantagens da cada um, na expressão de VIEIRA DE ANDRADE.

Neste enquadramento, é útil recordar a caracterização da reforma recente em Portugal feita por este Autor:
“A reforma estabeleceu um modelo subjectivista consagrando o processo administrativo como um processo de partes e alargando os poderes de cognição e de decisão do juiz perante a Administração.
São, no entanto, visíveis, os momentos objectivistas do regime, seja no que respeita à legitimidade activa – designadamente, para a impugnação de actos administrativos que continua a conferir-se a interessados de facto na acção particular, se estende a associações e a todos os membros da comunidade nas acções populares, e, no âmbito da acção pública, se alarga, ao Ministério Público, em matéria de condenação à prática de acto devido e em matéria de contratos - seja quanto à previsão de litígios inter-administrativos, inclusivamente entre órgãos da mesma pessoa colectiva, seja nos significativos poderes que continuam a reconhecer-se ao Ministério Público como auxiliar de justiça em defesa da legalidade, sobretudo no que respeita à impugnação de normas, seja ainda em outros aspectos específicos, como o conhecimento oficioso pelo juiz das ilegalidades do acto administrativo impugnado.
Por outro lado, tal como acontece, aliás, no modelo alemão, o modelo reformado não altera, antes pressupõe e reafirma o sistema de administração executiva, ao determinar o respeito, quer nas sentenças condenatórias da Administração, quer no respectivo processo de execução, dos espaços de valoração própria concedidos pela lei aos órgãos administrativos no exercício das suas funções, bem como ao aceitar a estabilidade de caso decidido dos actos administrativos, mesmo que ilegais, desde que não sejam nulos, passado o prazo de impugnação.”
Estes elementos demonstram que o novo contencioso administrativo estabelece o equilíbrio entre a dimensão subjectiva e objectiva com o intuito de proporcionar aos cidadãos a mais efectiva tutela dos seus direitos, a par da manutenção dos aspectos objectivistas que garantem a protecção dos interesses públicos.


Os sujeitos ou partes processuais correspondem aos sujeitos ou partes da relação jurídica processual. Como parte ou sujeito principal, existe, por um lado, a pessoa ou entidade que requer e, por outro, aquela contra a qual é requerida determinada providência judiciária.
Ao lado das partes principais, surgem as partes acessórias, isto é, as pessoas interessadas em que o litígio seja resolvido a favor de uma das partes. Surge, em primeiro lugar, o contra-interessado, o qual é um sujeito que tem um interesse directo e pessoal em que não se dê provimento à acção. Por regra, o contra-interessado é sempre um particular nos processos dirigidos contra a Administração. Na petição inicial da acção administrativa especial, a lei obriga o autor a indicar eventuais contra-interessados, sendo que os mesmos têm, entre outros, o poder de contestar, alegar, de requerer providências cautelares e de recorrer.
Relativamente à acção administrativa comum, o CPTA não faz referência aos contra-interessados, sendo, no entanto de aplicar, as regras de intervenção de terceiros previstas na lei processual civil.
Em segundo lugar, existem os co-interessados, isto é, os terceiros que têm interesse em que seja dado provimento ao pedido formulado pelo autor na sua petição inicial. Tais interessados, sempre que não assumam a posição de partes em litisconsórcio activo ou coligação, devem ser tratados como assistentes.
Existe ainda a posição do Ministério Público que, além de poder ser uma parte principal, também pode surgir no processo como um magistrado em defesa da legalidade (não sendo, possível, nesse caso qualificá-lo como uma parte principal ou como uma parte acessória).
O pedido
À pretensão deduzida pelo autor em juízo designa-se pedido, cujo conteúdo se deverá relacionar com um litígio oriundo de uma relação jurídica administrativa. Face aos objectivos que o autor pretende atingir com o provimento da pretensão que deduziu em juízo, poder-se-ão distinguir-se três tipos de pedidos: a) pedidos declarativos (simples apreciação ou reconhecimento), b) pedidos condenatórios (ou intimatórios) e, c) pedidos constitutivos (invalidatórios ou suspensivos).
O CPTA português permite que sejam cumulados vários pedidos. A cumulação de pedidos pode ser simples (o autor pretende a procedência de todos os pedidos e de todos os efeitos), alternativa (quando o autor, embora intente a procedência de todos os pedidos, só pretenda obter alguns dos efeitos, à escolha de outrem) e subsidiária (o pedido subsidiário só é apresentado para a hipótese de improcedência do pedido principal).
A admissibilidade de cumulação de pedidos depende entre uma relação material de conexão entre os mesmos.
Assim, o CPTA - além de fixar vários exemplos de cumulações de pedidos - refere que é admissível a cumulação de pedidos sempre que:
- a causa de pedir seja a mesma e única ou os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência, nomeadamente por se inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica material;
- sendo diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.
Não obsta à cumulação de pedidos o facto de aos pedidos formulados corresponderem formas de processo, adoptando-se, nesse caso, a acção administrativa especial com as necessárias adaptações.
A causa de pedir
A causa de pedir é o conjunto de factos concretos e razões de direito em que se baseia e fundamenta a pretensão de uma parte bem como o seu pedido.
A causa de pedir varia em função do tipo de processo em concreto. O juiz, nomeadamente, nos processos de impugnação de actos ou de normas em que o interessado invoca várias causas de invalidade, pode conhecer de outras oficiosamente.
O objecto
Com a reforma do contencioso administrativo, existiu uma transformação profunda sobre o objecto do processo.
Ao abrigo do regime anterior, em que o modelo se centrava no recurso contencioso de anulação, o objecto do processo encontrava-se focalizado no acto objecto de impugnação (“processo feito a um acto”). No fundo, era a Administração a definir o próprio objecto do processo.
Com a reforma do contencioso administrativo, o objecto do processo passa a centrar-se na pretensão do particular.
Saliente-se o facto de existir a possibilidade actual de se condenar a Administração à prática de actos administrativos devidos, ainda que previamente tenha sido emitido um acto administrativo de indeferimento. Com efeito, conforme acima referido, o objecto do processo passa a ser a pretensão do particular e não o acto de indeferimento. Tal transformação é de uma enorme importância porque permite a discussão em juízo das questões de fundo em que se baseiam as pretensões dos particulares, prevenindo-se o surgimento de novos actos de indeferimento baseados em novos argumentos. Valor da causa e alçada
Ao contrário do que sucedia com o regime processual anterior, tem de ser atribuído um valor a toda a causa nos tribunais administrativos. Este valor tem de representar a utilidade económica do pedido formulado na causa respectiva, sendo que a lei estabelece várias regras e critérios para a determinação desse valor.
O valor da causa tem vários objectivos. Em primeiro lugar, e em relação a todos os casos, o valor da causa serve para determinar se é ou não admissível o recurso (ordinário) da sentença final proferida em 1.ª instância. O recurso das decisões que em 1.º grau de jurisdição tenham conhecido do mérito da causa é admitido nos processos de valor superior à alçada do tribunal do qual se recorre.
Não obstante, o CPTA, além de ressalvar os casos previstos na legislação processual civil, identifica alguns tipos de decisões em que é sempre admissível recurso independentemente do valor da causa: a) improcedência de pedidos de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias; b) decisões proferidas em matéria sancionatória; c) decisões proferidas contra jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal Administrativo; d) decisões que ponham termo ao processo sem se pronunciarem sobre o mérito da causa. O CPTA estipula várias regras e critérios para a determinação do valor de uma causa, destinando-se tais critérios a apurar a utilidade económica imediata do pedido (cfr. artigos 2.º e 33.º do CPTA).
Personalidade e capacidade
A personalidade judiciária pode ser definida como a “susceptibilidade de ser parte no processo”. Em regra, a personalidade judiciária corresponde à personalidade jurídica, mas existem casos em que se reconhece a personalidade judiciária a organismos não personalizados (por exemplo, patrimónios autónomos, condomínios).
A capacidade judiciária é um pressuposto processual que pode ser definido como a “susceptibilidade de uma pessoa estar por si em juízo”.
No processo administrativo, é obrigatória a constituição de advogado com o fim de garantir o adequado uso de poderes processuais.
Às entidades públicas, é admitida – por contenção de custos - a representação por licenciado em Direito com funções de apoio jurídico.
Por razões de igualdade, a nova legislação portuguesa passou a referir que o licenciado em Direito ficaria também vinculado aos deveres deontológicos a que estão adstritos os mandatários judiciais.
Relativamente ao Estado, a legislação portuguesa permite a sua representação pelo Ministério Público nas acções relativas a contratos e responsabilidade.
Tipos de legitimidade
Legitimidade activa
Nos termos da legislação portuguesa, em regra, o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte da relação material controvertida, ou seja, em função da titularidade de um interesse ou direito legalmente protegido.
Em matéria de contencioso contratual, importa frisar que as acções dirigidas à invalidação de contratos deixaram de poder ser postas apenas pelas partes na relação contratual.
Em primeiro lugar, os pedidos relativos à validade de contratos podem ser deduzidos pelo Ministério Público (com o único propósito de defender a legalidade).
Em segundo lugar, tais pedidos podem ser deduzidos por qualquer cidadão, pelo Ministério Público, autarquias locais, associações e fundações defensoras de interesses constitucionalmente consagrados.
Se as invalidades em questão tiverem ocorrido em momento anterior ao da celebração do contrato, podem os pedidos de invalidação ser accionados por quem tenha sido lesado nos seus direitos ou interesses.
Legitimidade passiva
Cada acção deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do Autor.
Se a acção tiver por objecto a acção ou omissão de uma entidade pública, quem tem legitimidade passiva é a pessoa colectiva de direito público, ou no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável a acção ou omissão impugnadas. Se o processo tiver por objecto actos ou omissões de uma entidade administrativa independente, destituída de personalidade jurídica, o processo deverá ser intentado contra o Estado ou a outra pessoa colectiva pública a que essa entidade pertença.
Em todo o caso, considera-se que uma acção foi regularmente proposta quando na petição tenha sido indicado como parte demandada o órgão que praticou o acto ou que tenha sido responsável pela omissão, considerando-se nesse caso, a acção proposta contra a pessoa colectiva pública ou, no caso do Estado, contra o ministério a que tal órgão pertence.
Se na acção tiverem sido cumulados vários pedidos, deduzidos contra pessoas colectivas públicas ou ministérios distintos, devem tais entidades ser demandadas.
Se o litígio existente se prende entre órgãos da mesma pessoa colectiva, a acção é proposta contra o órgão cuja conduta deu origem ao litígio.
A acção administrativa comum
De acordo com o artigo 37.º do CPTA, seguem a forma da acção administrativa comum “os processos que tenham por objecto litígios cuja apreciação se inscreva no âmbito da jurisdição administrativa e que, nem neste Código nem em legislação avulsa, sejam objecto de regulação especial”.
Assim, sempre que não exista processo especial contemplado no CPTA ou em legislação avulsa, os processos devem seguir a tramitação da acção administrativa comum, acção essa que corresponde ao processo comum em contencioso administrativo.
A acção administrativa comum surge vocacionada, ao contrário da acção administrativa especial, que tem por objecto fiscalizar o exercício dos poderes administrativos, para dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas igualitárias, que não envolvam o exercício de poderes de autoridade por parte da Administrativa.
A acção administrativa especial
De acordo com os artigos 78.º e seguintes do CPTA, existem quatro tipo de pretensões que têm de seguir a forma da acção administrativa especial. As pretensões são as seguintes:
- impugnação de actos administrativos, dirigida à respectiva anulação ou declaração de nulidade ou inexistência;
- condenação à prática de actos administrativos ilegalmente recusados ou omitidos;
- impugnação de normas regulamentares, dirigida à declaração da respectiva ilegalidade;
- declaração da ilegalidade por omissão de normas regulamentares legalmente devidas.

Os objectos das principais pretensões continuam a ser os de anulação, declaração de nulidade ou inexistência de actos administrativos e os de declaração de legalidade de normas regulamentares. No entanto, com o novo contencioso administrativo, tais pretensões podem ser cumuladas com novas pedidos: condenação à prática de acto legalmente devido, declaração de ilegalidade de normas em casos concretos e a declaração de ilegalidade por omissão de regulamento.
Os Processos urgentes
Existem certos tipos de processos em que a lei reconhece a existência da necessidade de obter, com urgência, uma decisão de fundo sobre o mérito da causa. E isto porque, em alguns casos, uma tutela judicial efectiva pressupõe a existência de mecanismos de resolução rápida e célere. Imagine-se, por exemplo, um acto ilegal que ordene a demolição de uma construção. O particular irá intentar uma acção administrativa especial de impugnação do acto de demolição. No entanto, face à morosidade inerente ao processo judicial, poderia o acto em questão ser executado antes da prolação da sentença de tal processo. Nesse caso, de que serviria ao particular intentar a acção administrativa especial do acto de demolição se a casa pudesse entretanto ser demolida?
Nesses termos, é imprescindível facultar ao particular um instrumento que acautele o efeito útil da sentença a proferir, cuja tramitação seja urgente e célere (neste caso, o instrumento adequado seria uma providência cautelar de suspensão de eficácia do acto de demolição, cujo processo é urgente).
Refira-se que, sendo os processos urgentes, os mesmos correm durante as férias judiciais, mesmo em fase de recurso jurisdicional. Acrescente-se ainda que os actos da secretaria são praticados no próprio dia, com precedência sobre quaisquer outros (artigo 36.º do CPTA).
Assim, as formas da acção administrativa especial e da acção administrativa comum correspondem ao modelo processual que deve ser aplicado na generalidade das situações, em que não ocorram circunstâncias de especial urgência que como tal estejam expressamente previstas na lei, para o efeito de deverem corresponder a uma forma de processo especial, caracterizada por um modelo de tramitação simplificado, ou, pelo menos, acelerado em razão da urgência: correspondem, assim, à forma que devem seguintes.
Nos termos do artigo 36.º do CPTA, existem cinco tipos de processos urgentes:
- Contencioso eleitoral;
- Contencioso pré-contratual;
- Intimação para prestação de informações, consulta de documentos e passagem de certidões;
- Intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias;
- Providências cautelares

No contencioso eleitoral, está em causa a impugnação urgente (no prazo curto de sete dias) de actos jurídicos respeitantes ao processo eleitoral que resultem numa acção ou omissão ilegal. O processo pode ser intentado por quem seja eleitor ou elegível no processo eleitoral em causa, sendo que o processo de contencioso é de plena jurisdição. Os actos anteriores ao acto eleitoral só podem ser objecto de impugnação autónoma caso sejam relativos à exclusão ou omissão de eleitores ou elegíveis nos cadernos ou listas eleitorais (que podem ser impugnados pelas pessoas cuja inscrição tenha sido omitida. O contencioso eleitoral segue a forma de processo da acção administrativa especial com algumas especialidades (redução de prazos, redução dos casos em que são admitidas alegações).
No contencioso pré-contratual, estão em causa actos administrativos praticados no decurso de procedimentos de formação de contratos (por exemplo, acto de adjudicação de um concurso público) previamente à celebração de um contrato a celebrar pela Administração Pública. O contencioso pré-contratual que segue esta tramitação especial só é aplicável à impugnação de actos relativos à formação de certos tipos de contratos (contratos de prestação de serviços e aquisição de bens, contratos de empreitada e concessão de obras públicas), sendo que a impugnação de actos relativos a outros contratos seguem a tramitação normal da acção administrativa especial. O contencioso pré-contratual apenas abrange os contratos acima referidos por imposições de directivas comunitárias, directivas essas que obrigam à implementação de uma tramitação rápida para a resolução de litígios para os actos pré-contratuais que se prendam com tais contratos.
Esta forma urgente deverá ser seguida não só para a impugnação de actos administrativos pré-contratuais de tais contratos mas também para certos actos jurídicos equiparados para esse efeito (impugnação de programas de concurso e cadernos de encargos, impugnação de actos em que a entidade adjudicante é uma pessoa colectiva de direito privado, não integrando a Administração Pública – por exemplo, sociedade anónima de capitais públicos).
No contencioso pré-contratual deverá ser seguida a tramitação da acção administrativa especial com certas especialidades (prazos mais curtos, redução dos casos em que se pode apresentar alegações).
Os restantes processos urgentes serão descritos nos capítulos que se seguem.
As intimações são processos urgentes que visam a obtenção de uma imposição judicial dirigida, em regra, à Administração Pública para a adopção de um determinado comportamento (acção ou omissão) ou para a emissão de actos administrativos.
Este tipo de processos segue uma tramitação especial e simplificada dada a necessidade de uma resolução urgente da situação em questão.
A intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões era, previamente à reforma do contencioso administrativo, qualificada como um meio acessório, destinado exclusivamente à obtenção de informações ou dados para a utilização de meios principais – quer judiciais ou administrativos. No entanto, este tipo de intimação era usado, na prática, como um meio autónomo e não acessório sendo que, na reforma do contencioso administrativo, foi o mesmo qualificado como um meio de acção principal.
A intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões pode ser utilizada por qualquer interessado quando não tenha sido dada integral
Mais, para efeitos de impugnação judicial, a intimação pode ser utilizada por todos os que tenham legitimidade para usar os meios impugnatórios bem como pelo Ministério Público, para o efeito de exercício da acção pública.
Os requisitos para o exercício de tais direitos encontram-se vertidos em legislação substantiva, estabelecendo tal legislação certos pressupostos para o acesso à informação e documentação.
A tramitação desta intimação é bastante rápida (após o pedido de intimação, a autoridade deverá responder no prazo de 10 dias), sendo que, por via de regra, o Juiz decidirá o pedido de imediato, sem necessidade de mais diligências. Caso o pedido seja considerado procedente, é estabelecido um prazo para o cumprimento da intimação, podendo ser estabelecidas sanções pecuniárias compulsórias.
A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias decorre de um imperativo constitucional português, o qual refere que “para a defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter a tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”.
Assim, pode usar-se este meio quando, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso concreto, o decretamento provisório de uma providência cautelar, seja indispensável a emissão célere de uma decisão judicial de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa para a protecção de um direito, liberdade ou garantia.

1 comentário:

  1. foi bom ler este texto fez-me recordar as lições de Direito administrativo in 2014 aquando do segundo ano do meu curso de Direito .modelos objetivistas e subjetivistas.

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